sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Um “causo” das Arábias (1)


Itabaiana é minha Macondo. Quem quiser saber o que é Macondo, dê-me o prazer de ler o romance “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marques.

Ouvi essa história de Marcos Veloso, antigo morador da Rua da Palha. Deu-se em meio a uma das cíclicas crises do petróleo, meados da década de 60. O dia ia nascendo de má vontade, com nuvens ameaçando chuva na terra esturricada do começo de fevereiro. Logo cedo, dona do Carmo saiu para pegar água no poço do fazendeiro Adolfo Barbosa. Não querendo arremedar as mulheres que equilibravam seus potes na cabeça, dona do Carmo sustentava o peso de duas latas de querosene “Jacaré” em cada ponta de um pau com arames, o “galão”, tão feminino quanto uma cueca “samba canção”. Chegou ao poço, encheu as latas e voltou para acender o fogo do cuscuz. Em casa, notou manchas de óleo na água antes pura. Da vasilha emanava um odor parecido com destilado do petróleo.

A obtusidade dos moradores da Rua da Palha começou a especular sobre aquele fato surpreendente. “Tem petróleo no poço de seu Adolfo”, gritavam os moleques descendo a rua íngreme. Walter Florêncio, locutor oficial da difusora Nazaré e também morador da Rua da Palha, saía para o trabalho fumando seu cigarrinho “Gaivota”, inteirou-se dos fatos e já foi pensando em como ia dar a notícia no ”Informativo Nazaré”, o programa noticioso da difusora.

A cidade inteira ficou sabendo da nova, mesmo antes da difusora Nazaré transmitir a notícia em edição especial. Na entrada da Rua da Facada, onde fica a fazenda de Adolfo Barbosa, pequena multidão tentava entrar no cercado para ver o fenômeno de perto. Vaqueiros armados de espingarda ameaçavam os mais afoitos. Ivo Severo, dono da Difusora Nazaré, queria ser reconhecido como homem da imprensa, com direito a examinar o caso de perto. Seus apelos para que fosse respeitada a liberdade de imprensa não foram atendidos pelos seguranças. Ali só entraria o proprietário, quando chegasse de João Pessoa. Até as vacas foram deslocadas para outros cercados. Deixaram Zé Granfino entrar, quando souberam que era dono do único posto de gasolina da cidade e, portanto, indivíduo com habilidade e autoridade suficiente para investigar o caso. Foi dada a opinião: era petróleo legítimo, e já refinado.

Em outra parte da cidade, ocorria outro fenômeno. Morreu Galo Assado, de apoplexia. Era o rapaz que vendia o pão matinal em balaio suspeito. Defunto do dia anterior, seu passamento foi devidamente anunciado por Bebé Chorão na difusora da Igreja e o féretro conduzido logo cedo para o campo santo pela família e mais alguns amigos. Na porta do cemitério, o defunto pulou do caixão. Galo Assado ressuscitou dos mortos, era o novo fato, esse de interesse científico, metafísico e religioso, a exigir pronunciamento abalizado de indivíduos influentes cuja opinião era acatada.

Itabaiana não cabia em si de espanto com fatos tão inesperados quanto extraordinários. Um poço de petróleo da mais alta qualidade, a desmoralizar a produção árabe, e um homem que tornou a viver. O “pastor” Zé Veríssimo, dono de uma bodega que só vendia perfumes de feira e brilhantina em pleno cabaré da Rua do Carretel, juntou um cortejo para orar na frente da casa de Galo Assado, fundando uma nova seita. “Ele estava morto e Deus permitiu que visse o céu e o inferno para contar aqui na terra”, acreditava Veríssimo. "Jesus está voltando”! – exclamavam os devotos.

Enquanto isso, já se faziam projeções sobre o futuro da cidade. Nevinha Rica sonhava com os barões do petróleo para abrir o maior e mais opulento puteiro do mundo.

(Continua amanhã)

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