quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Crônicas desimportantes do futebol
Esse era meu time, o Canteiro. Eu e o velho Caixa D’água fomos os únicos cartolas a dirigir um time de futebol e ao mesmo tempo comandar o campeonato.O carequinha era meu técnico, o velho Jason “Zé Serra”. (Caixa Dágua: Eduardo Caixa D’água Vianna, ex-presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro. Morreu em agosto de 2006).
No dia 23 de janeiro de 1989, fundei a Liga Mariense de Futebol. Vinte anos não passam em vão. A História se faz de pequenos e aparentemente desinteressantes acontecimentos que depois apresentam outra configuração. Tudo marca a identidade de um povo.
Estou dizendo isso porque andei fuçando nos meus papéis velhos e encontrei relatórios de jogos do campeonato de futebol local. Não sou historiador, apenas um contador de histórias. A diferença entre um e outro, o velho Machado de Assis já apontava: o historiador foi inventado pelos homens cultos e letrados. Já o contador de histórias foi criado pelo povo que nunca leu nada.
Pelo menos para aquela geração que viveu as alegrias e os sacrifícios de fazer futebol amador em uma cidade pobre e pequena, esses relatórios chamam a atenção e remetem a pessoas e fatos banais, corriqueiros, mas que revisitados vinte anos depois, mostram que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular.
O futebol era um luxo baratinho que eu me permitia nos finais de semana em Mari, um lugar tão sem opção de lazer. Organizei o campeonato. Diziam que as tentativas de se fazer campeonato na cidade foram sempre frustradas porque acabavam em brigas. Não havia a cultura da organização e observação das leis básicas do esporte. Comecei por botar o delegado da cidade, Clemir Claudino, como chefe da Junta Disciplinar Desportiva, que era pra dar moral e evitar a esculhambação. Clemir era temido pelo temperamento forte e fama de brabo. Além de presidente da Junta, o delegado era zagueiro de um dos times participantes, ligeira anomalia a que eu tive que fazer vistas grossas em nome do bom andamento da competição.
Vamos aos fatos. No dia sete de abril de 1991, o secretário da Liga, meu amigo Edson Teixeira, registrou no relatório que o jogo entre o Curitiba e ABC terminou em um a zero para o time da cartilha, com gol anotado por Severino Ramos. Observação: o banco do ABC com pessoas estranhas, incluindo duas mulheres.
Vasco e Brasil jogaram no dia 18 de maio de 1991. O Brasil venceu por três a dois. Um dos tentos do Brasil foi anotado pelo atleta Flávio Ricardo Mesquita, o Flavinho, uma promessa de médio apoiador. Onde andará Flavinho, que sonhava em jogar em time grande? O jogador Paulo Quirino ofendeu moralmente o banco de reservas do Vasco, o juiz e o representante da Liga. Mas não foi expulso. Mesma sorte não teve seu colega José Felismino, o dono do único cartão vermelho do jogo.
Mari e Curitiba jogaram em 12 de maio de 1991, sendo que o último clube saiu perdendo por um a zero, gol de Gilvan Lourenço. O delegado Clemir Claudino, zagueiro do Curitiba, acabou recebendo cartão amarelo por jogo violento. Não consta no relatório o nome do corajoso árbitro. Na súmula, consta o nome de Kleber Saldanha recebendo cartão amarelo. Esse rapaz veio a morrer assassinado há pouco tempo.
O Estádio Pedro Tomé de Arruda recebeu bom público para o jogo entre Mari e Brasil no dia 15 de junho de 1991. Aos dez minutos de jogo no segundo tempo, depois de ter José Agenor e Ivanildo Julião expulsos pelo árbitro, o Mari abandonou o campo. Antes, em 14 de abril, o time da estrela solitária do cabaré aplicou dois a zero no mesmo Mari, o “time do picolé”. Edson anotou que “os times não cumpriram o combinado para virar no segundo tempo sem descanso”. É assim o amadorismo, não se tem direito nem mesmo ao intervalo para descansar.
O Botafogo aplicou sonora goleada no Flamengo: cinco a zero. Nem por isso o time do Flamengo de Biu abandonou o campo. Foi no dia 05 de maio de 1991. Mas o dono do Flamengo, Severino Patrício de Souza, perdeu a cabeça, levou cartão amarelo e depois vermelho. Com seu jeito simples, o desportista Biu Patrício chegou a se eleger vereador, sempre com a bandeira do futebol.
O Botafogo voltava a golear. Dessa vez a vítima foi o Curitiba, o time do delegado. Foram nove a zero. Um tal de Paulo de Freitas Filho fez três desses gols. É filho do meu saudoso amigo Paulo da Sinuca.
São relatórios saborosos desse esporte que é uma espécie de óleo lubrificante das relações sociais. O convívio humano não seria o mesmo sem o futebol nas pequenas cidades. Um dia vou escrever um livro só baseado nos relatórios da Liga Mariense de Futebol, passando causos a limpo com sabor de eternas saudades, registro de vida e vivência através do futebol mariense. Quem quiser ler mais sobre o assunto, remeto ao endereço http://www.fabiomozart.com/mari_11.html
“Juiz de Mari bate recorde mundial”.
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