quarta-feira, 7 de julho de 2010
Caderneta de anotações e de sonhos
Fundado em 1976 por um grupo de amigos anarquistas da cidade de Itabaiana/PB, o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana – GETI – comemora 34 anos de existência. Aqueles que fizeram parte da aventura artística e política, os que não vivem mais na cidade e alguns que ainda moram lá precisam ver a preciosidade que achei na casa dos amigos Irene Marinheiro e Zenito Oliveira, dois dos fundadores do conjunto cênico. Trata-se de uma caderneta de anotações das reuniões do grupo, uma espécie de diário que será de grande valia para o pesquisador Doutor Romualdo Palhano, atualmente às voltas com a redação de um livro sobre o GETI que deverá ser lançado no início de 2011.
Na caderneta, os nomes dos componentes, assinaturas, locais de reunião, contendas, brigas, sonhos, ideias soltas e incoerentes, aspirações e conquistas daquele pessoal que um dia sonhou abrir para novas possibilidades aquela geração de jovens matutos, através da arte e da cultura. Gente que eu nem lembrava que fosse fundadora, igual a nossa amiga Luciana Benício de Castro, hoje funcionária dos Correios em Itabaiana. O casal Frederico Guilherme de Araújo Lopes e Branca, ele já falecido, aparece no livro como um dos membros fundadores do grupo teatral amador, cuja primeira peça, “Auto da Paixão”, levou milhares de pessoas às ruas da cidade em uma Sexta-feira Santa, constituindo-se um fenômeno de massa naqueles tempos.
Recordamos histórias saborosas dos ensaios, dos companheiros, das brigas e das cachaçadas homéricas. O dia em que quase fomos abatidos a tiros de rifle no sertão da Paraíba, outra noite em que fomos expulsos da Igreja de Itabaiana pelo padre raivoso, só porque a turma espetava baganas de cigarros nas bocas dos santos. O ator mais burro do mundo, Enoque de Macena, que nunca acertava o beijo traiçoeiro em Jesus na cena do Jardim das Oliveiras. Sempre beijava o homem errado. Acabou sendo expulso juntamente com Severino Penca Preta e Rossi, conforme anotou o secretário na caderneta, “por conduta daninha aos interesses do grupo, ficando decidido que a comunicação será feita verbalmente, por estarmos de acordo com a extinção de burocracia nos trabalhos”. Vejam que coisa! Três anos antes de o Governo instalar o Ministério da Desburocratização, o pessoal do GETI já se antecipava a Hélio Beltrão e Paulo Lustosa. Aliás, Biu, Enoque e Rossi foram os únicos expulsos do Grupo nesses 34 anos, e eu nem lembro os motivos do tal castigo tão drástico. Zenito acha que foi porque eles assaltaram a geladeira da casa de Zé Tavares no dia da encenação da Paixão de Cristo, mas eu não sei... Há controvérsias.
As reuniões eram feitas na casa de Emir Nunes, nas casas de Palhano, de Zenito e na do meu pai, na Rua Floriano Peixoto nº 105, onde, segundo o advogado Jurandi Pereira, o grupo foi fundado em 28 de junho de 1976, numa véspera de São Pedro. Uma anotação da caderneta: “Será providenciada a compra de um gravador a prestação, a ser pago pelos componentes do grupo, estabelecendo-se cooperação de R$ 10 mil cruzeiros para cada homem e R$ 5 mil cruzeiros para as mulheres, a ser pago todo dia 30 de cada mês”. Nesse caso, a hoje feminista Irene Marinheiro não exigiu a igualdade entre homens e mulheres.
Uma pérola: “Entre os presentes, foi combinado em 23 de dezembro de 1976 que haverá recesso dos trabalhos até o dia 2 de janeiro de 1977, quando haverá reunião, na condição de ser expulso o não comparecido”. O absentismo era um problemão no grupo! Na hora das reuniões, estava quase todo mundo tomando goró, festejando a negação de qualquer tipo de autoridade. Mesmo assim, o grupo montou boas peças. “A peleja de Lampião com o Capeta” teve uma carpintaria teatral tão rematada que até hoje o grupo apresenta o mesmo espetáculo. São 34 anos em cartaz, o que daria até verbete no livro dos recordes.
Amanhã volto ao assunto da caderneta de ouro das reminiscências getianas.
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