quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Religião de resultado


Na foto, eu de óculos escuros junto com uma galera de virtuosos cachacistas de Mari, no bar de Zezin Calai.

Acabo de ler o grande livro “O processo civilizatório”, de Darcy Ribeiro, uma obra monumental sobre a evolução da humanidade nos últimos dez mil anos. Em um dos capítulos, o mestre conta como o homem aprendeu a ser religioso e a se resignar com a pobreza, enquanto outros usavam a religião para dominar. Quando as cidades começaram a se formar, viu-se que era imprescindível unificar o povo em torno de idéias comuns. Foi aí que os caras que trabalhavam com o sobrenatural passaram a ter grande ascendência sobre a galera, como porta-vozes dos deuses com todos os poderes emanados dessa posição. A antiga religiosidade comunitária foi substituída por igrejas burocráticas e controladoras.

Daí para as religiões e seitas “pegue-pague” foi um passo de alguns milhares de anos até chegarmos ao império da Igreja Católica. Na nossa época, os neopentecostais já passam a dominar a fé do povo simples, com a proliferação de seitas que prometem o céu na terra. No mundo em que vivemos, a idéia de Deus não se desprega do fascínio do ouro, do Poder e dos prazeres.

Na cidade de Mari, um rapaz pobre vendia galinha na feira e nada de prosperar. Foi quando teve a idéia de fundar uma igreja, com olho grande na riqueza das universais e mundiais que rolam no pedaço. Alugou uma garagem, arrumou cadeiras e botou placa na porta: “Igreja Transnacional das Sete Mil Virgens”. Apesar da fartura de virgens, a igreja do rapaz não progrediu. Não passava de três ou quatro velhinhas aposentadas de salário mínimo. O dízimo mal chegava para o aluguel da garagem.

A despeito de tudo, porém, o “pastor” caprichava na encenação de curas e milagres os mais diversificados. Em Mari, todavia, nem a Igreja Universal do Reino de Deus, catedrática na matéria de converter o povão, conseguiu se estabelecer. Mas o que eu quero dizer é que, um dia, vinha do bar de Manoel do Bar e passei na “igreja” do moço. Bêbado e cachorro entram em todo lugar. Entrei, sentei na última cadeira para descansar da viagem. O pastor aproveitou minha presença para começar uma pregação a respeito do diabo, “porque o diabo está em todo lugar, cuidado com o tinhoso, ele entra até na igreja, ele é barbudo e gosta de tomar cachaça”. Notei que a descrição correspondia a mim mesmo, que naquela época usava barba. Aliás, eu era o único presente, além de duas velhinhas e um garoto.

Cheio de “topázio diluído”, achei que merecia melhor tratamento, se bem que não tenho nada contra o capeta e seus assemelhados. A propósito de fazer seu proselitismo idiota ou sem propósito algum, o “pastor” me vem com essa galhofa. Levantei e disse em alta voz:

− Mané, deixa de besteira e vai pagar a conta que tu deve no cabaré de Maria Pintada!

Ex-inveterado consumidor de cana e raparigueiro, o “pastor” fechou o livro e encerrou os trabalhos.

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