quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Poesia de carregação


Eu de preto, tendo ao lado o radialista Jota Alves, o cantor “Apaga Luz” e o geógrafo Marcone Figueiredo, buscando inspiração no cabaré de Maria Pintada. (Mari, em uma sexta-feira santa qualquer).


Há uma conspiração universal contra minha carreira de poeta. Já tentei escrever uns versinhos, mas recebo sempre injeções maciças de desestímulo, até mesmo de um sujeito que é um modelo de gentileza, meu compadre Maciel Caju. Imaginem que comecei a esboçar um soneto e afetuosamente levei ao compadre Maciel para sua apreciação, ele que é um poeta dos melhores. Após ler o esboço, foi categórico:

− O outro é melhor.

− Que outro?

− O que você ainda vai escrever.

Acabou com meu deslumbramento apenas com essa piada infame. Com um sorriso maquinal, tentei defender minha poesia, reduzida a nada pelo meu compadre. Sua erudição é o que me encabula! Pois me fez ver que um crítico disse a mesma coisa do grande escritor inglês Oscar Wilde: “a sua maior e mais bela obra é aquela que ele não escreveu”.

Mesmo assim insisto em abrir uma pequena clareira jubilosa na floresta dos inimigos de minha poesia, esses sorumbáticos que não reconhecem uma obra prima. Eis o poema, que passei uma semana burilando:

POEMA DA CRIAÇÃO
O rio não quer ir à parte alguma,
Ele apenas quer ser livre, não cativo
De um destino inexorável e incisivo
Que ao final se desvanece qual espuma.

Rio bravo que extrapola do seu leito
Em momento de extrema liberdade,
Na caótica desordem que invade
Os limites do certo e do direito.

É assim o artista na porfia
Do momento supremo e criador
Quando brinca de Deus e traça o mundo
De acordo com estranha geografia.

Na verdade, isso nem chega a ser um soneto, que o formato é outro. Outra verdade: meu talento como poeta é feito aquela linha imaginária do horizonte que vai recuando, sempre distante dos que caminham em sua direção. Reconhecendo minha limitada inspiração, admito ainda que “caótica desordem” é um pleonasmo de lascar, redundância que deixo na conta da “liberdade poética”.

Mas voltemos ao Maciel Caju, este sim, um poeta genuíno. Na apresentação de um livrinho que lancei em 1998, ele escreveu: “Fábio Mozart é poeta num país em crise crônica, por isso faz uma poética adstringente e amarga. Poesia fácil de ser compreendida, ainda assim o trabalho de Fábio Mozart não se enquadra no simplismo sem essência. O poeta desenvolve sua arte numa perspectiva sociológica. Sua poesia faz com que o leitor saia do seu egocentrismo para refletir sobre a nossa realidade.”

Resumindo: ele achava que eu faço poesia de protesto. Confesso que cansei de protestar e de fazer poesia. Esse quase soneto foi uma tentativa de retorno à companhia das musas, delito do qual já me arrependo. Mas fiquei ressentido com o menosprezo de Maciel. Ninguém gosta que maltratem seu filho, por mais feio que seja.

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