segunda-feira, 5 de abril de 2010

Caminhando e sonhando


Acordo todos os dias às cinco da manhã e vou caminhar, desbravando as trilhas urbanas desta bela cidade de João Pessoa. Esse exercício idiota reduz o colesterol e melhora a autoestima. Para quem não tem dinheiro para investir em academia, é filé do pessoal da “melhor idade”.

Nas minhas caminhadas, vou observando o comportamento das pessoas. Tem os velhinhos sapecas, que fingem ter um vigor de moços, outros que seguem seu ritmo, alguns que só sabem caminhar conversando, o vovô que cumprimenta absolutamente todas as pessoas que passam por ele, a pé ou de bicicleta. Notei uma coisa: mulheres são muito competitivas. Dizem que as fêmeas rivalizam umas com as outras em tudo na vida. É verdade que as mulheres se vestem para as outras mulheres e não para os manés que somos nós? Na caminhada, se você alcança uma mulher que estava à frente, ela apressa o passo. Acho que pensam que estão tentando ultrapassá-las. Tem mulher que se perfuma para caminhar.

Um velhinho me irritava, caminhando na calçada estreita movimentando os braços lateralmente, sempre em sentido contrário. Nunca faltou um dia, até que deixou de aparecer. Doente? Morto? Sempre penso nele e na minha imbecil exasperação. Jamais falei com o cara. Devia ter uns setenta anos. Não sei por que associação de ideias, vem-me à cabeça o sonho fúnebre de uma amiga: ela não quer ser protagonista do seu próprio enterro. Vai doar o corpo para a Faculdade de Medicina. “Que coisa louca”, acham seus parentes. Pelo menos não desaparece para sempre como o ancião dos braços de moinho. Quando alguém morre, sentimos a angústia inútil de que não nos teria custado nada termos sido melhores.

A mulher de meia idade que caminha rezando, com terço na mão. A outra cruzando praças e calçadas com seu cãozinho de estimação. O bombado sendo arrastado pelo feroz Pit bull. A senhora deficiente física arrastando a perna mutilada. O casal que caminha de mãos dadas, com suas garrafinhas de água a tiracolo. A boazuda metida em sua malha de cores berrantes, salientando as formas voluptuosas. O sujeito com aparelho amarrado ao peito, para manter ou estabelecer a atividade rítmica. E acreditem: já vi até caminhante fumando seu cigarrinho às seis horas da manhã!

Certo dia, ao sair para caminhar, começou a cair água. Tenho pela chuva o prazer do vendedor de guarda-chuvas. Os caminhantes fugiram. Ficou uma senhora, esperando a chuva passar debaixo da árvore. Passei e cumprimentei, contrariando meu hábito indelicado de não falar com as pessoas, por pura timidez. Na outra volta ela me chamou para confessar: “Existe algo que eu não posso negar: Eu atraio boas pessoas! Entre duzentas que passam pela calçada da minha vida, sempre as melhores param pra me cumprimentar”. Agradeci e saí sem jeito, perturbado e surpreendido. Teria sido um papo de sedução? Jamais saberei, mesmo porque a simpática senhora também desapareceu das pistas.

Envelhecer é uma arte como outra qualquer. Vou exercitando essa arte pelas ruas, nas primeiras horas matinais. Enquanto caminho, resolvo os problemas em minha mente, e sonho. Resolver os problemas não no sentido de solucioná-los, mas de equacioná-los, o que não significa a mesma coisa. Com menos estresse e mais qualidade de vida. Recomendo a todos esse hábito idiota de caminhar em direção a lugar nenhum, para ter mais vigor e vontade de prosseguir.

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