sábado, 19 de junho de 2010
Uma tal Nena Garcez
Professora Lourdes Garcez, li seu livro sobre sua mãe, a professora Nena Garcez. O livrinho estava dentre os que recebemos para a Biblioteca Arnaud Costa, do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, de Itabaiana/PB. Impressionou-me, sobretudo, o empenho de sua mãe na defesa do Teatro Santa Cecília de Mamanguape. Olhem que isso se deu na década de 20, quando teatro era considerado coisa de vagabundos e prostitutas e essa nobre dama vivia sob a égide da Igreja Católica, inimiga de determinadas manifestações artísticas, como o teatro secular. Pelo menos naquela época.
A sua prosa bem simples nos dá notícias da escola que dona Nena instalou no teatro. De dia, educação, à noite, cultura. Quando havia espetáculos, as pessoas mandavam as cadeiras de tarde para comprarem as entradas à noite. O teatro não dispunha de assentos. No dia seguinte, as carteiras dos alunos, guardadas na casa de dona Garcez, retornavam à escola.
O velho piano da nobre dama ficou muitos anos no Teatro Santa Cecília, que era uma réplica em tamanho reduzido do Teatro Santa Roza, da capital João Pessoa. Juntou suas economias e comprou o teatro, onde funcionava sua escola, cinema e casa de espetáculos. Lourdes informa que muitos dramas foram encenados pelos alunos “sob a direção do escrivão Antonio Navarro, entendido em artes cênicas.”
Mamanguape no começo do século tinha ruas calçadas e em cada esquina, um lampião de azeite para facilitar o trânsito noturno. Na época, tinha prestígio e ar de metrópole. A vida cultural era intensa e o Teatro Santa Cecília apresentava grupos vindos do Recife. Até o Imperador D. Pedro esteve por lá. Os folhetos referem como filhos ilustres Padre Azevedo, Aristides Lobo, Castro Pinto, Padre Aires e Carlos Dias Fernandes. Dona Nena Garcez, a primeira professora da cidade, nunca é citada. A emancipação do Município se deu em 25 de outubro de 1855. Cem anos depois, no mesmo dia e mês eu nasci.
Fora dos limites provincianos, ninguém conhece dona Nena Garcez. Naquele ambiente patriarcal e atrasado, ela amava a liberdade e as artes. Comemorava seu aniversário em 14 de julho. Um dia confessou que escolheu essa data para recordar a queda da Bastilha. “Costumava dizer para seus alunos que o maior bem do homem é a liberdade”, escreveu Lourdes Garcez. Qual a verdadeira data do seu nascimento? “Disse que já havia esquecido”.
Quando estava com 89 anos de idade, recebeu a visita do prefeito José Fernandes de Lima. Foi então informada que a Prefeitura iria desapropriar o teatro Santa Cecília, “porque ele é um patrimônio histórico da cidade, e para conservar os prédios antigos, só mesmo o poder público”. O velho teatro estava perfeito, sem infiltrações nem rachaduras. Logo depois de desapropriado, o prefeito “mandou derrubar o teatro por dentro e construiu um moderno cinema”. Descaracterizou a arquitetura interna daquele valioso patrimônio histórico, sem a menor consideração com sua benemérita protetora.
Tudo isso soube pelo livrinho da também professora Lourdes
Garcez, outra mamanguapense ilustre que hoje mora em Belém do Pará. Acho que não existe critério de avaliação mais perfeito da vida de uma pessoa do que se constatar que praticou tudo aquilo em que acreditava. Uma pessoa tão obstinada pela difusão da cultura e pela afirmação da liberdade vive hoje na lembrança dos seus conterrâneos por via do livrinho de sua filha. Viva o livro! Viva o teatro! Viva a liberdade!
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