sábado, 9 de agosto de 2014

A mulher vive triste e feliz na jaula da Monga




Alguém já contou a história da Monga, a mulher que virava bicho nos parques de diversões de nossa juventude. A Monga geralmente era uma voluntária caçada por ali mesmo, uma empregada doméstica, uma moça do povo que topava viver seus 15 minutos de fama em troca de alguns caraminguás. Geralmente feias, barriguinhas salientes, caras de sofrimento e humilhação histórica, rostos pintados com papel de cor, pó de arroz e certa dose de cara de pau. O velho truque da mulher que vira macaco mostrava gradualmente a figura com fantasia de gorila, para espanto da molecada. Wellington Farias conta que foi ver a Monga com um medo que vinha dos tempos imemoriais das cavernas. Quando abriram a cortina imunda, a moça a ser transformada em gorila era a empregada da casa dos seus pais. Perdeu-se o encanto e o respeito pelo número mágico. 

Aqui na capital Parahyba do Norte, a velha Monga teima em sobreviver na festa das Neves, uma tradição que se apaga como uma vela no oceano dos tempos. Os que insistem em manter a Monga apelam para um saudosismo desbotado, ansiosos por criar uma atmosfera de exaltação, na cadência do narrador da cena da mulher-macaco, que dava aquele clima de medo. O narrador é muito importante para a cena da Monga. Quanto mais recursos de comunicação, mais rico o espetáculo. 

A Monga hoje, entretanto, é bicho raro. Evaporou-se na progressão da ilusão de ótica muitíssimo mais encantadora dos recursos eletrônicos modernos. Por mais que seja tradicional, o velho truque não tem mais público para sua façanha canhestra. As mongas, coitadas, se tivessem acesso às redes sociais, seu status seria “estamos num relacionamento tipo fim de festa”. 

Essa conversa sobre Monga me veio por inspiração de uma foto de Kleide Teixeira, quando nada porque a gente sempre precisa de uma desculpa estética para discorrer sobre o patético de nossas emoções. Eis a Monga na sua jaulinha, ocupando duplo papel de bilheteira e artista principal do número mágico mambembe, uma função que é a mesma na sua vida de sobrevivente feminina nesse mundo machista e cruel. As mulheres do povo acabam por vestir essa fantasia de Monga o tempo todo, como massa de manobra de ilusionistas geralmente machos, acabando-se nas suas múltiplas funções de vedetes, trabalhadoras, donas de casa, amantes e até traficantes por ordem dos companheiros presos. 

No fim, elas se superam, despem suas fantasias de Monga e, por natureza, viram leoas. Faz todo sentido.

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