Havia a mocinha, o patrão, a tia do patrão e o canalha baixinho. Era dia de vestibular. E dia de trabalho na empresa de construção. O patrão viajou para Brasília em busca de contratos com deputados e senadores. O canalha baixinho ficou tomando conta, fiel e competente como sempre. A mocinha precisava fazer vestibular naquele dia. O baixinho negou-se a abonar o dia para a mocinha fazer o vestibular. Ameaça de demissão.
Chorando, a mocinha procurou a tia do patrão para pedir “pelo amor de Deus” que a deixassem fazer o vestibular, sonho de mocinha pobre e estudiosa. A tia do patrão desconversou, disse que não era possível falar com ele, que tivesse paciência...
No fim do expediente, o canalha baixinho pegou seu carrinho e foi para casa, no subúrbio. A mocinha carregava aquela dor de não poder fazer uma coisa com a qual havia sonhado durante muito tempo. A tia do patrão foi ver a novela.
A mocinha atravessou a cidade no ônibus coletivo, assombrada com os seres humanos e com sua capacidade de crueldade. Em casa, o pai é um homem de setenta anos, doente. A mãe sofre de asma. Apoiaram o canalha baixinho. Precisavam do emprego da mocinha para sobreviver.
Na sexta-feira, o canalha baixinho pegou a família e foi para a igreja rezar, na missa de Natal. Baixinho como era, o canalha ficou quase invisível no meio de tantos fantasmas desempenhando seus papéis na igreja lotada.
Uma postura de derrota vestiu a mocinha. Secretamente, não conseguia deixar de sentir uma parcela de alívio por ter perdido o vestibular: não poderia estudar mesmo.
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