domingo, 24 de abril de 2016

POEMA DO DOMINGO


As arvores são como os peixes


As árvores são como os peixes.

O desfile das árvores nuas
Ninguém escuta as raízes acoturnadas
Os membros decepados expõem olhos cegos, caiados
Vigiando centenas de autos.
Seus dedos virando cortiças: tão leves
São os seus necrológios anônimos.

Mantos em cinza bem escuro
Tapando poros: as árvores anti-gregárias em suas cores
Vestidas no peso plúmbeo impenetrável.

É o desfile das árvores inertes nas cidades.
Árvores armadas como tropas russas. Os seus uniformes de fuligem.
Prisões nos asfaltos e calçadas
Sob a vigilância dos muros pichados
Entoando a poética dos silêncios.

Mata-fome, Cacau bravo, Craibeira, Moringa, Mororó...
Ipês, Sombreiros, gliricídias...
Controladas, solitárias, imóveis!

Só se mexem nas tardes de outono
Quando os ventos singram as ruas e varrem memórias
Roubando folhas alaranjadas: em sangue.

Movem-se ainda as quase-árvores
Com os pássaros nas alturas
Se apertando com suas cloacas quentes
Para enganar, em silêncio – a guarda da alma das florestas -
O drible da dormência das sementes duras.

As árvores são como os peixes.

Josafá de Orós


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