quarta-feira, 6 de outubro de 2010

“Sonhar é a mais bela de todas as coisas”


“O menino voltou para a ladeira da Borborema” é o título do último livro de Manoel José de Lima, que acabei de ler. Não tenho preconceitos, leio tudo, até os poetas alternativos. Quem disse que Manoel José de Lima é um poeta alternativo foi conhecido crítico literário da Paraíba, se é que temos esse especialista. Para quem não sabe, vou logo dizendo que Manoel José de Lima não é outro senão o boêmio de Cruz do Espírito Santo que ficou conhecido pelo apelido de Caixa D’Água.

Poeta alternativo, cronista, até profeta ele dizia que era. Profetizou a queda de Isabelita Peron. Começou a fazer versos aos sete anos de idade, virou figura folclórica de João Pessoa, até estátua foi erguida em homenagem ao Caixa. Soube por ele mesmo que viveu até a idade de dez anos na cidade de Mari, onde deve ter se inspirado nos poetas Zé Hermínio e Fulgêncio Rique. Andava de paletó branco, bolsa 007 na mão, declamando versos aonde chegasse, filando cigarros e doses de uísque. Trabalhou como garçom em João Pessoa, começou o curso ginasial, mas depois parou de estudar. Dedicou-se à vida de poeta, isto é, só sonhar, que “sonhar é a mais bela de todas as coisas”, conforme gostava de dizer. Fez amizades com intelectuais amigos de políticos e ganhou um emprego público, do qual viveu até morrer sem dar um prego numa barra de sabão.

Caixa D’Água ficou no imaginário da minha geração. Leio agora seu livro um tanto confuso, uma mistura de crônicas contando suas amizades e seus recantos favoritos na capital, com poemas meio, digamos, “alternativos”.

“Quando eu era menino, que vim de Mari, fui colega de muitos meninos. Uns diziam que iam ser médicos, outros engenheiros. Teve menino que venceu, outros não fizeram nada na vida. Eu terminei dando uma lição a todos os paraibanos. Nunca quis ser milionário para não ter dor de cabeça. Me tornei um herói das letras paraibanas, aprendendo o saber e o verbo. Eu vivia feliz na ladeira da Borborema onde morava, mas hoje não temos segurança, os doentes mentais assolam o mundo inteiro. Aos sete anos, disse à minha mãe Tereza Maria da Conceição que queria ser poeta. Hoje sou escritor, romancista, tribuno e boêmio, o destino que Deus traçou ao me botar no mundo. Quando eu morrer, irei feliz porque fui um escritor vitorioso, levando comigo a sabedoria da literatura”.

“Eu sonhei com esse livro, porque minha vida começou como um romance e termina em romance. Eu só me tornei escritor porque Deus me deu inteligência, é por isso que os despeitados morrem de inveja”, escreveu Caixa D’Água no seu livro. Era amigo de Ernani Sátiro, governador da Paraíba, que bancava seus livros. Na contracapa, ele informa que “tem trabalhos publicados até na Inglaterra, saí pelo mundo aos sete anos escrevendo com os pés e com as mãos, o que chamou a atenção dos vizinhos. Concorri a vários concursos literários, sendo derrotado em João Pessoa sem saber o motivo. Fui chamado de poeta pelo cantor Luiz Gonzaga Júnior.”

Em 28 de março de 2006, morre Caixa D’Água, deixando a esposa e quatro filhos. Silvana Oliveira, uma das filhas, explica o apelido: “Desde criança ele gostava de declamar versos, e os colegas diziam que ele ‘enchia’ como se fosse uma caixa d’água”. O enterro foi singelo como foi toda sua vida de sonhador. “Sonhar é a mais bela de todas as coisas”.

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