terça-feira, 20 de maio de 2014

Mãe gentil e honesta

Populares carregam objetos saqueados de lojas em Abreu e Lima

“Minha mãe me ensinou o que era bom e o que era mau e meu pai me ensinou a obedecer.” (Zeca de Adalgisa)

Tecnicamente, sua memória de longo prazo é ilimitada. É possível se lembrar de tudo que já aconteceu em sua vida. Eu me lembro de quando tinha seis anos de idade na cidade Timbaúba dos Mocós, com meu irmão mais velho, caminhando de manhãzinha para a escola com um tamborete na cabeça e, em cima dele, a cartilha do ABC, a tabuada, um caderno e um lápis grafite com borracha. Nossa escola estava longe do padrão Fifa, mas tinha uma professorinha que pegava na minha mão para ajustar a coordenação motora e contava histórias edificantes toda vez que algum pirralho cometia gaiatice ou indisciplina. Meu único dissabor era ter que ficar só olhando enquanto os colegas comiam sua banana com rapadura e suco de caju na hora da merenda. Na volta, minha mãe supria essa lacuna com muito carinho e feijão de corda com fígado de alemão, um prato muito famoso nas casas dos proletários daqueles tempos bicudos.
Aliás, foi minha mãe que me ensinou a ser honesto, sem jamais ter dito uma palavra sobre isso. Era sua conduta, sua filosofia de vida, seu exemplo. Lembrei disso lendo hoje nos jornais de Pernambuco que as mães dos rapazes dos arrastões de Abreu e Lima começaram um movimento de devolução das mercadorias saqueadas durante a greve da Polícia de Pernambuco. “Filho meu não bota a mão no alheio”, disse uma honesta mãe que forçou o filho a devolver a máquina de lavar surrupiada de uma loja.
Para Nelson Rodrigues, “entre nós, o flagelado vende a filha por um pedaço de rapadura”. Não acredito. Existe a honra materna, e isso ainda se vê, como no caso das mães de Abreu e Lima. Não dou um vintém pelo pai, mas a mãe é sagrada. Ela não acoita o filho trombadinha, tem vergonha de ser mãe de bandido. Isso as mães pobres das favelas e mocambos, porque a madame que pariu o político safado, essa tem é orgulho. A mãe do empresário desonesto, do prefeito corrupto, do magnata cujos bens são mais duvidosos do que a virgindade de Madame Preciosa, essa acredita piamente que seu rebento é o rei da ética. A maioria por desinformação, por distorção social, por pura ignorância e cegueira de classe. Acham que o rico pode tudo, está acima das leis dos homens e das divindades.
Conheço um rapaz aqui por perto que teve a ideia de botar sua mãezinha como “laranja” numa associação fantasma para roubar dinheiro do Estado. A senhora mãe do larápio, que em São Paulo chamam “corinthiano” ou “Paulo Maluf”, coitada, acho que ainda hoje desconhece que foi “laranja” do corsário rapinante. Esse rato de dinheiro público não fez a lição de casa. Sua mãe falhou naquilo que é essencial na formação do caráter de uma pessoa, o exemplo de casa, aquilo que vale por todo um sistema de educação que não funciona. O comovente exemplo das mães de Abreu e Lima nos dá alguma esperança na recuperação moral dos filhos dessa “mãe gentil” Brasil, tão enxovalhada em sua honra.

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