quinta-feira, 5 de setembro de 2013

No ponto


Polícia procurando pobre suspeito nos ônibus

Estava o velhinho aqui às cinco de la matina, esperando o buzão. Rua deserta em co-participação com uma chuvazinha amena. Acresce que esqueci de trazer o do ladrão, aquela merreca que você tem que carregar no bolso pra entregar ao assaltante, porque senão corre o risco de levar uma facada no bucho pra deixar de ser tão pobre. Lá vem o sujeito suspeito, bonezinho, camisa do Flamengo. Antes que me enforquem, vou logo justificando: não quis dizer que quem veste camisa do Flamengo é tudo suspeito. Muito pelo contrário. É que, se fosse camisa do Clube Náutico Capibaribe, eu poderia até levar um lero com o sujeito:

--- E aí, Timbu? Será que a gente sai do buraco?

Mas o rapaz era Flamengo e eu não tinha nenhum bem que devesse ser posto em segurança. Meu relógio não vale cinco reais e no bolso, apenas a quantia pequena da passagem. O único bem era eu mesmo, minha vida. Fiquei imaginando que mundo louco esse nosso, onde você define logo um inimigo no ser que vem vindo pacificamente, vestido com a camisa do Flamengo, de bermuda e bonezinho. Talvez um trabalhador a caminho do trampo, um pai de família em busca de remédio para sua mãezinha ou pro filho doente. Nomeado o inimigo, resta combatê-lo, dentro do raciocínio simplista e linear alimentado pela televisão e rádio com seus programas “mundo cão.” Pobre é sempre apontado como autor ou culpado de algo. Ou fez, ou vai fazer merda. E no grande afã de combater o inimigo, a gente bota o medo dentro da cabeça e sai por aí suspeitando de cada rapaz pobre e flamenguista.

Sem me descuidar do flamenguista, fiquei pensando nas contradições do capitalismo. Que pressão sofre o povo para se ajustar aos esquemas do poder econômico. Ora no psicossocial, ora no campo político, nesse jogo diabólico e hábil de manter o status quo.

De repente, o hipotético inimigo se transformou. Notei que ele carregava um guarda-chuva e não sei por que, imagino que ladrão não usa esse artefato. O bandido não se protege, ele se joga sem rede, sem segurança. Fundamento justificatório para desarmar a consciência da ameaça. Isso porque não havia lido a notícia de que bandido assaltou funcionários de um posto de gasolina em Brasília, usando o cabo de um guarda-chuva no lugar de uma arma.

Mas o flamenguista era gente boa. Chegou junto, deu bom dia e reclamou da demora dos ônibus. Outro pensamento filosófico abestalhado que me passou na hora: “a pessoa humana tem vocação universal e está acima do Estado, da ideologia, do preconceito e até das preferências futebolísticas.” Sim, e pra completar, peguei o ônibus errado, fui parar num subúrbio distante e desconhecido, andei três quilômetros a pé na garoa refrescante de uma manhã sem medo.



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