segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Dom Quixote pós-moderno

 Seu Ciço caminhando na caatinga do sertão, Dom Quixote pós-moderno em guerra contra moinhos de ventos primitivos

Seu Ciço anda por um Brasil rudimentar, com seu cajado de profeta ambíguo de um mundo que ainda não saiu do feudalismo. É um homem que mora na filosofia do chamado viver alternativo, uma espécie de hippier sertanejo, nascido em Catolé do Rocha, alto sertão da Paraíba. Os hippies dos anos setenta adotaram um estilo de vida nômade deixando o conforto dos seus lares para viver nos campos, em comunidades. Seu Ciço decidiu ser candidato a deputado, vai contestar o regime capitalista “por dentro do monstro”, tática adotada pela esquerda nas últimas décadas, com os resultados que já se sabe. 
O candidato saiu pelas ribeiras pregando sua mensagem de ativista sócio-ambiental, “por uma democracia participativa, inclusão social, ressignificação da política e combate à corrupção”, temas que nunca saem de moda. Como bom profeta, Ciço anda a pé com seu cajado de pregador messiânico. Ele não é a “terceira via” de que tanto se fala. Não é tampouco um aproveitador, candidato folclórico, palhaço de eleição ou aqueles elementos que dão um dedo da mão para aparecer, para ter seus instantezinhos de fama. Ciço acredita na sua mensagem. Seu maior inimigo nem é a truculência e o rolo compressor das oligarquias políticas. É a ignorância do povo, daquela gente sertaneja de Catolé do Rocha, Jericó, Lagoa, Mato Grosso, Paulista, Riacho dos Cavalos, Belém de Brejo do Cruz, São Bento, Pombal, Coremas, Cajazeirinha, Picos, Conceição da Miséria, Brejo dos Santos, Bom Sucesso, São Bentinho, Malta, Condado, Santa Gertrudes, Patos, São Mamedes, Quixaba, Teixeira, Junco, Santa Luzia, Assunção, Tenório, Juazeirinho, Soledade, Pocinhos, Lagoa de Dentro, Puxinanã e São José da Mata, lugares por onde passou e pregou, distribuiu santinhos, foi ridicularizado, abraçado, convidado a entrar nas casas das pessoas “para um papo com café ao redor do fogão de lenha da cozinha”. Arrumou uns votinhos, enfrentou provocações e insultos. Escreveu no seu diário de viagem:
“Indignado com a impostura de lideranças municipais, que a preço vil, negociam votos de eleitores humildes e submissos, como quem vende algodão na folha. Empresários forasteiros e endinheirados pagam uma mixaria pelo status do poder e por uma vaga no trem da corrupção. Esses eleitores não podem viver a cidadania e a liberdade de escolher livremente seus representantes. De nada adianta pedir que resistam, que saiam da caverna e rompam as amarras que prendem seus destinos às mãos sujas dos que os mantém sob esta condição análoga à escravidão. Fui até ameaçado por pessoas nestas condições, usadas como estafetas de políticos que nos consideram como invasores de seus currais eleitorais. Reagi na mesma medida, e o mínimo que fiz, entre resmungos impublicáveis, foi mandar se lascar.”
Porque o profeta também fica irado. Mas não perde a fé, que considero totalmente irracional, na eleição como forma de mudar essa realidade. Seguiu seu caminho, passando num lugar chamado Conceição da Miséria. Que cidade é essa, Ciço? Ele explica:
“É um distrito de Catolé do Rocha, lugar onde houve uma grande matança de índios em meados do século XVIII. Os colonizadores só pouparam as mulheres jovens e bonitas, casaram-se com elas e daí brotou o tronco principal de uma das maiores famílias da Paraíba, os Cavalcanti. Foi por muitas décadas propriedade do Coronel Valdivino Lobo e ainda pertence aos seus descendentes, filhos e netos do médico e ex-deputado Dr. Américo Maia. É vizinho ao sítio em que nasci, Dois Riachos. Com 7 anos de idade, já carregava leite de lá em três jumentos. Meu pai foi agricultor e queijeiro da fazenda por 40 anos. Em sua igreja, de bela arquitetura, erguida em 1762 e preservada pelos cuidados de dona Cícera Araújo, eu fui batizado e crismado. Disse-me meu padrinho Oliveira, que eu dei uma mordida no Bispo Dom Zacarias Rolim de Moura quando ele melou minha testa com o óleo bento. Não lembro de ter feito isso."
Minha reverência pessoal a este hippie retardatário, vindo de um mundo fanático, delirante, tradicional e conservador, aldeias que ainda falam o português arcaico, lugares isolados para os quais ele agora retorna com seu matulão de profeta pós-moderno, pregando uma utopia que se confunde com o sebastianismo ainda latente na cabeça daquela gente. Nesses cafundós, a realidade parece contrariar o mais sólido senso comum. Tudo parecido com essa figura, esse seu Ciço Filho vestido de roupas de vaqueiro medieval, chapéu de couro na cabeça, candidato a deputado de um país também desconhecido para aquelas populações.  

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