terça-feira, 30 de junho de 2015

O dia em que quase fui represo

O velho Fábio Mozart, essa figura tão promovida por ele mesmo no auge da apologia pessoal dos grandes autocentrados, vez por outra quer ser mais despretensioso e recatado, no final de sua importante vida. O incansável Mozart se permite desafiar o desgaste físico para cumprir sua missão, que ele não sabe com clareza o que venha a ser essa responsabilidade para com o planeta, mas pressente o fim das lutas. “Os grandes gênios já morreram e eu mesmo não me sinto muito bem”, disse o poeta, meio cansado de “servir de expressão à consciência da humanidade”.

Imaginando nulificar minha pessoa, o papa da sordidez que atende pelo nome de Maciel Caju está escrevendo minha biografia não autorizada. Quem inventou a soberba foi esse sujeito. Ele morre de desgosto e ódio provocados pela meu talento. Eu soube pelo meu espião Ameba que o ignóbil escritor contará algumas façanhas deste grande bardo trovador que, digamos, rebaixa e desonra minha história de vida, conforme seu enviesado conceito. Meu espírito superior antecipadamente o perdoa, dada sua fraca e irrelevante capacidade moral de julgar com isonomia e legitimidade um sujeito de minha estirpe. Sem dignidade, o fraco elemento tem olhos e espírito fechados para a verdadeira grandeza do seu biografado.

Em um trecho do livro, Caju lembra o momento em que fui preso pela Polícia Federal e autuado em fragrante por operar rádio comunitária sem licença oficial, um crime monstruoso levado às barras do tribunal, onde fui condenado a pagar dez cestas básicas para instituições beneficentes. Ao ler a sentença, o Juiz pediu para que eu indicasse uma entidade a ser favorecida com o resultado do julgamento. “Prefiro que sejam doadas as cestas básicas para a AFPF. “O que vem a ser isso?”, perguntou o meritíssimo. “Trata-se da Associação dos Filhos Pobres de Fábio”, esclareci. Sua Excelência mostrou-se muito irritado, ameaçando de prisão aquele indiciado petulante e atrevido. No caso, seria uma reprisão. Não tem essa palavra no dicionário, acabo de olhar. No fundo, bem lá no fundo, eu senti que sua excelência estava aberto, galhofando de meu gracejo.

Por falar em aberto no fundo, dou por encerradas minhas considerações sobre essa biografia não autorizada, escrita por Maciel Caju. Não pretendo dar publicidade a esse folhetim vulgar e mentiroso. A verdade absoluta sobre a vida de tão augusto ser humano nem poderia chegar perto desse insignificante e desprezível cronista. O individual em sua infinitude não pode ser descrito senão pelo próprio indivíduo. Portanto, desacredito das biografias que não foram escritas pelo próprio biografado.


“Não me pus a escrever histórias, mas vidas somente; e as mais altas e gloriosas proezas nem sempre são aquelas que mostram melhor o vício e a virtude do homem. Ao contrário, muitas vezes uma ligeira coisa, uma palavra ou uma brincadeira põem com mais clareza em evidência o natural das pessoas.” Assim escreveu há quase 2000 anos o grego Plutarco, autor das primeiras biografias de que se tem notícia, no capítulo de Vidas Paralelas dedicado a Alexandre, rei macedônio do século IV a.C. 

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