segunda-feira, 18 de março de 2013

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



Síndrome da estreia
Adeildo Vieira

Em meus quase trinta anos de ativista cultural renitente, já produzi dezenas de espetáculos. Pequenos ou grandes, ousados ou tímidos, sozinho ou com banda igualmente renitente, mas nunca deixei de produzi-los. Sinto isso como uma missão de criatura que respeita sua condição de criador. Nessa escalada a palcos diversos, há um sentimento que se tornou frequente demais pro meu gosto. Falo das sensações vividas na estreia e que atormentam tanto a mim como a Caetano Veloso, como já o vi confessando em entrevistas pretéritas.
Estreia é como test drive em submarino, a gente mergulha e teme não vir à tona pra sentir o ar e ver o céu. Mesmo que tudo pareça impecável, uma incontida tensão atrapalha os prazeres de contemplar as belezas do mergulho programado em nossa própria obra ante os olhos de quem se deleita com nossa aventura. Estrear é parto de menino que, mesmo submetido a excessivo pré-natal, deixa a mãe em apuros, numa quase inexplicável insegurança. Estrear é experimentar a estranha possibilidade da mãe não vir a gostar da cara do próprio filho.
Assim como os partos, estrear deveria ser uma só experiência vivida a cada filho. Mas o que se dizer quando se faz vários partos para um mesmo rebento? Bom, numa realidade onde nossas produções não se sustentam financeiramente e os patrocinadores não lhe confiam plateia, somos obrigados a fazer sucessivas estreias para um mesmo show. De tão espaçados, nossos espetáculos não aprendem a andar, caminhar, correr, como fazem as crianças que se atiram no mundo aos cuidados de seus pais. Retornar ao palco depois de três meses de uma estreia é estrear de novo. Mas isso não é o pior. Há ainda espetáculos natimortos. Esses são mais dramáticos, pois nascem sadios e morrem nos braços da mãe, vendo a luz uma única vez.
Imagina a que conclusões chegaria Freud ao analisar uma mãe que pôs o filho de volta ao útero inúmeras vezes, velando-o à espera da próxima “boa hora”. O que aconteceria se a gestação vivesse em eterna convivência com o puerpério? Na verdade, bastava que Freud fosse compositor e montasse show comigo pra experimentar essa estranha maternidade criativa. Talvez até sobrevivesse à sua condição de pesquisador.
Mas, surpreendentemente, e longe de ser algo trágico, continuamos administrando nossos re-rebentos, conseguindo ainda vê-los engatinhando na sala de nossa esperança. Há sim, uma esperança de ver nossos espetáculos crescidos, robustos, andarilhos, aventureiros, aventurados. Caminhar na busca dessa realidade é motivo de alegria e de uma sadia sensação de movimento, um orgulho de ter coragem de lutar e acreditar. Quanto à analogia aos partos, fica como mero exercício de imagem, já que os sentimentos de mãe jamais terei o privilégio de experimentar.
Bom, de síndrome da estreia já sei que não morro. Assim sendo, com orgulho anuncio que planejo minha próxima aventura recorrente, porém inédita. Aguardem!



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