quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA


Itabaiana, terra de Adeildo Vieira - Foto: Herbety Barbosa


Divina vaia!
Adeildo Vieira
Nem me lembro que festa era aquela, só sei que fui convidado pra apresentar meu show. A indicação foi de um conterrâneo amigo que se confessava fã de meu trabalho e que, no exercício de sua influência entre os produtores do evento, conseguiu incluir meu nome para o suposto deleite dos itabaianenses.
Preparei minhas melhores canções, carreguei meus maravilhosos músicos de expectativas, vesti minha aura de artista com as roupas da infância, loquei uma van e parti para essa aventura na saudosa terra que me pariu. Chegando lá, dei de cara com um palco armado em frente à matriz de Nossa Senhora da Conceição. Pensei logo que minha apresentação seria abençoada pela santa padroeira da terrinha. E claro que seria, já que sinto suas bênçãos na minha postura diante da vida manifestada nos palcos.
Aproximava-se a minha hora, mas algo me trouxe estranhamento. Talvez no afã de segurar o público, o locutor agitava os presentes com o seguinte chamado: “Vocês querem forró? Então, daqui a pouco, vocês terão Adeildo Vieira, filho de Itabaiana!”. Mais estranhamento ainda foi saber que meu show seria antecedido pelo cover de Zezo dos Teclados e sucedido pela banda Arreio de Prata. Percebi que seria eu um sanduíche indigesto no cardápio oferecido àquele público faminto de forró eletrônico. Senti um certo desespero no olhar de Leo Meira, meu guitarrista, que acenava para o locutor tentando dissuadi-lo do intento de enganar o público. Mas eu olhei para a torre da matriz e pedi a Nossa Senhora da Conceição que intercedesse em meu favor, estendendo seu escudo para me proteger de prováveis objetos cortantes atirados do meio daquela praça lotada.
Era chegada a hora. Subi ao palco cantando um aboio à capela, conforme rezava a direção do show. O diretor havia trabalhado a densidade artística do espetáculo, imaginando levar o melhor para aquele público. Ah, o diretor era eu mesmo, o que agravava a situação. Dirigir a si próprio é como maquiar a cara do próprio filho, é impossível achar que alguém ache defeito. Ledo engano! Começado o show, fui recebido com uma robusta e emocionante vaia, acompanhada de frases inesquecíveis como: “que diabo é isso?”, “sai daí, doido!” Pela primeira vez senti um aboio provocar o estouro da boiada. Aquilo condensou nosso desejo de tocar e foi o que fizemos, com toda a força da nossa alma.
E assim seguiu o show, agraciado pela volúvel atenção de uns vinte por cento dos que se fizeram presentes. Mas, enquanto cantava, eu sentia a distância entre mim e minha terra. Aquele público estava certo. Eu é que fui convocado para o momento errado. Não bastava ser filho da terra, mas era preciso ser reconhecido entre os pares. Além do mais, estavam todos exercitando a lógica de quem não tem acesso a bens culturais que elevem a alma, como acontece com a grande maioria dos brasileiros. Esse incidente me aproximou ainda mais da minha querida Itabaiana, lá onde meu pai descansa em seu sono eterno. Quero voltar mais vezes junto com os músicos que me acompanham para fazer workshops, ao mesmo tempo para aprender mais sobre os códigos culturais do povo de minha terra.
Mas, além desse grande aprendizado, vivi naquela noite a emoção de receber no camarim a neta do inesquecível Biu da Rabeca, agradecendo à citação que eu havia feito sobre seu avô durante o show. Este foi um dos poucos momentos em que todos prestaram a devida atenção ao espetáculo.


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