A luz de Penha nasce para todos, mas falta-lhe sombra e água fresca
Adeildo Vieira
O sol nasce
para todos, a sombra é que é privilégio de poucos. Então, viva a generosidade
da artista popular Penha Cirandeira, que junto com membros de sua família
distribui a luz que vem da força do seu batuque e do céu de sua garganta na
“Ciranda Raio de Sol”, nome dado à sua apresentação festeira. Trata-se do som que nasce para todos, irradiado do
sotaque do seu tambor de corda e das melodias traçadas pelo timbre rasgado de
sua voz, que vibra em nosso corpo e leva luz para a alma de todo aquele que se
permita à dança em praças sem fronteiras. Mas a essa mulher falta abrigo que
lhe traga o conforto da justa sombra. Falta-lhe a água fresca capaz matar sua
sede de justiça. Essa artista popular, gigante em sua arte de viver, não foge a
uma regra cruel. Vive de qualquer labuta, menos de sua arte.
Só mesmo quem
viu o vigor dessa cirandeira no exercício de sua “brincadeira” é capaz de
entender a força de uma grande mulher em seu ofício de distribuir alegria. Quem
nunca cantou e tocou um instrumento percussivo ao mesmo tempo também não
entenderá a complexidade desse feito. Penha faz tudo isso com a força que a
vida lhe deu na sua luta pela sobrevivência e que a conduziu - e até hoje
conduz - por difíceis labutas, entre campos e cidades, de roçados à peregrinação de ruas na cata de lixo para
reciclagem. E toda essa história de vida é traduzida na crueza da sua voz, como
uma foice cega capaz de cortar a cana que faz o melhor mel. Foice feita de aço
que não quebra. A voz de Penha ecoa nos ouvidos da nossa existência nordestina.
Uma existência bailada no coco de roda.
Há uns quatro
anos, eu e o professor da UFPB Carmélio Reynaldo produzimos um CD para
divulgação da obra de Penha Cirandeira. Criamos o selo “Raízes da Alma”, que
resultou no lançamento deste produto, além do CD de Vó Mera, outra maravilhosa
expressão da cena da nossa cultura
popular. O projeto foi patrocinado pela Funjope e pela UFPB. O objetivo
dessa ideia é, não só divulgar, mas trazer mais uma fonte de renda às artistas
do meio popular, onde o foco de luz não chega. O produto é vendido por elas
próprias.
Hoje, ainda
com alguns CDs em mãos, as cirandeiras
clamam por espaço e reconhecimento. Penha, que certa vez já ameaçou
vender seus tambores e aposentar sua iluminada expressão festeira, continua
ganhando a vida em roçados, onde trabalha de aluguel sob os escaldantes raios
de sol, apesar de enfrentar problemas delicados de saúde. Mas, para nossa
alegria, seu tambor ainda soa, batendo com a força renitente de seu coração.
Eis aqui um
convite praquele que ainda não dançou a “Ciranda Raio de Sol” de Penha
Cirandeira. Permita-se cair na dança que evoca todos os cantos da nossa
Parahyba, embalados no coco de roda e na ciranda. Mas, para isso, experimente
convidar essa mulher guerreira e iluminada para enfeitar sua festa. Ou cobre
sua presença em festas públicas. Permita-se a esse deleite e sua festa nunca
mais será a mesma, assim como a vida
dessa mulher cheia de sol.
Pra quem se
propõe a transformar a dureza da vida em bailado, a felicidade urge. No caso de
Penha, há muito que já passou da hora.
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