Na atitude de Uns, o deleite de todos
Adeildo Vieira
É mesmo uma pena que ele não tenha visto o show!
E com certeza nem deve imaginar que alguns garotos da Paraíba seriam tão
ousados com a obra que criou há quarenta anos. Pois é, Caetano Veloso, no
apogeu dos seus setenta anos recém-completados, não desfrutou in loco
deste seu presente embalado de emoções históricas e que foi capaz de projetar a
saudade no futuro através da atitude da BandaUns, criada com o
exclusivo fim de homenageá-lo.
No afã de comemorar a vida do compositor
septuagenário, aqueles garotos com idade beirando os vinte anos também homenagearam
o disco Transa, lendário album do bardo leonino que este
ano completa quatro décadas. Neste firme propósito subiam ao palco os jovens
músicos Gustavo Limeira, Ernani Sá, Lue Maia e Emanuel Rudá, contando ainda com
as participações especiais de Hugo Limeira e Macaxeira Acioly. Era noite de
sábado, 15 de dezembro.
Pra quem saiu de casa ansioso, esperando ouvir
a fiel sonoridade das canções daquele elepê e assim reportar-se a situações
pretéritas pelo fio sonoro do tempo, teve uma grata surpresa. Através de seus
arranjos, A BandaUns superou as expectativas, espalhando no
ambiente do show a inquietude frenética das canções que se mantêm congeladas no
disco. Ou seja, partindo dos padrões harmônicos e rítmicos das músicas
originais, desenvolveram movimentos musicais que adensaram o modelo de um bom
show, atual e interativo. O infinito potencial das músicas do Transa encontraram
naquela banda um ambiente propício para mergulhar no coração de quem, mesmo
visitando as emoções do passado, namora o hoje e flerta com o futuro. Aquele
foi um exercício musical com sinais de maturidade, traçado por uma notória
direção artística que também se esmerou na definição do figurino inspirado nos
signos visuais do tropicalismo. Enfim, bom mesmo foi assistir ao show de uma banda
que homenageava um compositor sem que tivesse a menor pretensão de dele ser
cover.
Não bastasse a pesquisa à obra de Caetano, a BandaUns
mostrou-se ainda afinada com dados históricos relevantes. O reconhecimento da
importância de artistas, tanto do espectro universal quanto do universo de sua
vizinhança, para a construção de seus propósitos, é algo que demonstra
consistência em sua busca identitária. A citação feita no show a grandes
artistas recentemente falecidos, como Niemeyer e Ravi Shankar, assim como a
lembrança do Musiclube da Paraíba e seus atores mais renitentes (felizmente
ainda vivos), mostram que o objetivo desta banda não é apenas reverenciar a
figura emblemática de Caetano Veloso, mas entender os movimentos da música
brasileira e universal na construção de seus referenciais artísticos. Por si
só, este exercício de consciência já justifica a importância da banda,
sobretudo como referência no meio juvenil.
Tornam-se por demais compreensíveis os traços
caetaneiros ainda presentes na performance do talentosíssimo vocalista, uma vez
que terá uma vida inteira para sedimentar-se sob a luz dos conceitos
arquitetados pelo tropicalista que ergueu pilastras indeléveis para a grande
música brasileira. Vale a alma inspirada pelo ídolo, ainda mais quando se
percebe que, já de início, há uma inquietude que o tange do desejo de cópia.
Acho mesmo é que grandes artistas estão nascendo para a música universal,
carregando como estandarte a inquietude dos parangolés de Hélio Oiticica.
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