Demora, mas chega o tempo em
que a gente vê que existem coisas sem nenhuma importância pelas quais a gente
briga, esforço sem valia e, principalmente, a grande verdade: tudo o que
fazemos é tão somente com o objetivo de agradar ao nosso ego, por mais
altruísta que possa parecer qualquer ação nessa vida velha ingrata.
Faça uma retrospectiva do ano
e verá que tudo o que relacionar é fundamentado no prazer ou na dor que lhe
causou.
Na
verdade, não quero fazer retrospectiva nenhuma, que odeio esse negócio. Vou
contar uma história que me contaram. Nada a ver. Foi na bela cidade de
Cajazeiras, onde reinava uma juíza muito atenta à dignidade da Justiça. O réu
era um rapaz que trabalhava na agência local do Correio. Aliás, nem era réu,
apenas uma testemunha chave de crime. O fato delituoso: alma sebosa estava
postando no Correio cartas anônimas falando mal de pessoas de alto coturno na
cidade, incluindo a dita cuja juíza. A Meritíssima pediu, aliás, pediu não, exigiu
do agente do Correio a descrição da pessoa que postou as tais cartas anônimas. Ele
fez ver que seria impossível lembrar do rosto do remetente das cartas malditas,
porque já havia se passado algum tempo e ele não guardava as feições de todas
as pessoas que postavam correspondência.
Do alto
de sua ira e seu poder, a juíza sentenciou:
--- Pois
vai ficar preso por cinco dias para refrescar a memória.
Seguiram-se
as providências de praxe: o rapaz foi algemado e preso. A cidade toda ficou
revoltada. Contratado um advogado, o causídico requereu habeas corpus e a prisão do carteiro foi revogada. “Entra com uma
representação contra essa juíza, rapaz!”, disse o advogado. Seguindo o
conselho, o oficial das cartas e telegramas queixou-se ao Tribunal de Justiça,
alegando abuso de autoridade por parte da Meritíssima. “Procurar justiça na
Justiça é assim como procurar cabelo em ovo de páscoa”, disse outro
cajazeirense.
Deu-se o
imprevisto: o Tribunal aceitou a queixa e notificou a juíza incomodada com a
espionagem da vida privada, comum no interior. Dona “Data Vênia” apelou então
para o Superior Tribunal de Justiça, mesmo aceitando o fato de que errou ao
mandar prender o rapaz do Correio. É que nos tribunais não se aprende a pedir
desculpas.
Aí,
deu-se o previsto: o Superior Tribunal, cheio de espírito de corpo e dentro das
conformidades dos espíritos de porco, deu ganho de causa à dona “Data Vênia” e
fez mais: indicou-a para fazer parte da Corregedoria da Corte Suprema, ou coisa
parecida.
A juíza
arrumou as malas e foi embora para Brasília, desfrutar do seu novo cargo. Ao
passar na praça, a conversa dos desocupados foi diminuindo, foi diminuindo e
depois que a mulher passou ficou tudo calado, pensando besteira.
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