sexta-feira, 18 de novembro de 2016

No meio do nada

Lajedo do Pai Mateus em Cabaceiras foi cenário de filmes

Fazenda Lajedo, cariri da Paraíba, um lugar no meio do nada cercado de pedras, mandacaru, xique-xique, coroa de frade, facheiro e solidão. Bandos de pássaros de muitas espécies catam xerém farto no terreiro. O teju, desconfiado, vem comer a melancia e o abacaxi com os saguins. Sons de chocalhos dos bodes, monotonia, vento quente, rio seco. Terra de pedras: Lajedo de Pai Mateus, Lajedo de Manoel de Sousa, Pedra do Cálice, Muralha do Meio do Mundo, Lajedo do Bravo, cannion do Rio Soledade.
O bando de galos-de-campina voou e foi pousar na nossa mesa do almoço, olhos grandes e bicos sem cerimônia. O papa capim também chega junto. Depois, o casal de canários da terra e a família de saguins também chegam sem convite, acordando cenas virgens aos nossos olhos de citadinos.
No panfleto, a observação: “aqui, nada se tira a não ser fotografias, nada se leva a não ser saudade e nada se mata a não ser o tempo”. A área é de preservação ambiental.
Nesses caminhos caririzeiros, no entanto, um bicho anda escasso: o homem. No mundão seco, chão de pedras, casas abandonadas, seriemas debaixo do pé de juá, uma tragédia social e geográfica naquele lugar brutalizado pela paisagem amarga e áspera, sem água e sem terra fértil onde a chuva às vezes nem pinga por muitos anos.
O esforço é investir no turismo ligado aos esportes radicais e ecoturismo. Por isso, os bichinhos da fauna são tão paparicados naqueles ermos, calcanhar-de-judas apresentando uma beleza que só os desertos têm para mostrar com seus dentes afiados e seus espinhos ameaçadores. Soturnos currais de pedra seca, tristeza evocativa de antigos faustos. Córregos vazios, grotas de anjico que o povo do lugar aprendeu a transformar em oásis pelo milagre da adaptação ao meio. Mas, nem esse jeito faquir de viver foi suficiente para manter o natural em sua áspera terra. Faltam braços para revigorar o solo pobre, cheio de pedras e cobras, escorpiões e tejus desconfiados. O povo cansou de escavocar a terra que não ajuda.
Ora pois que, por via do cenário árido, a região passou a set de cinema. Até novela de TV andaram filmando. Lá foi a escassa população restante pastorear artistas e fazer figuração, aprender a receber turistas e mostrar seu paraíso desértico. Exaurido e reconhecendo a superioridade do deserto, o caririzeiro agora valoriza o pio da rola fogo-pagou e o clarão dos refletores do cinema nesse oco da Paraíba. “Somos a Hollywood nordestina”, diz orgulhoso o povo do lugar. De vão aberto na geografia da fome, rasgado para o vazio, o cariri aprende a ganhar a vida mostrando sua paisagem inóspita e emprestando-a para o audiovisual tupiniquim. Fora isso, a exploração mineral, principalmente a bentonita, uma argila vulcânica muito comum na região.
Pra quem gosta de viajar e fazer turismo de verdade (não para inglês ver), vale a pena visitar esse pedaço da Paraíba do Norte.


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