quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Abra a boca, cidadão!

Não sei se acontece só comigo, mas marcar horário com dentista é algo assim como saber exatamente o momento de ir ao matadouro para ser abatido. Necessidade de fazer um tratamento dentário. Abrir a boca para um desconhecido que nem sei para qual time torce ou se é a favor da volta da ditadura, escancarar seu ser para um terapeuta de incisos e caninos que mete os ferros em suas feridas cariadas e pergunta se está doendo, que tipo de dor, se por acaso essa dor não seria uma invenção da sua mente doentia e depois, quanto tudo consumado, lança o golpe mortal na sua conta bancária, cobrando os tubos pela tortura.

Vou assim mesmo, porque sou um herói e o mundo vai se acabar um dia mesmo, tanto faz que seja hoje, na horinha da dor suprema ao som do zumbido da broca. Antes, terei que fazer um test-drive odontológico: comer rapadura e bochechar com água bem gelada para saber exatamente onde estão os furos das cáries. Evitar que o dentista visite todos os 32 dentes com seu ferrinho afiado e cruel, batendo na porta de cada um incisivo, canino e molar, indagando se é ali que mora o sofrimento.

Antes de sentar na cadeira do dragão, é bom fazer as contas do tratamento, para fins de controle orçamentário mesmo e para amenizar as picadas, que uma dor encobre a outra. Reparar nas revistas à disposição dos clientes na antessala é também conveniente: se só tiver a revista Caras no cestinho, é sinal de que seu médico o tem na conta de idiota ou novo rico, desses que se enternecem com a vida dos ricos, todos com saúde perfeita, mulheres sem barriguinha e com sorrisos Colgate.

Esses tratamentos, às vezes, incluem uma severa assepsia bucal e exame acurado em busca de cáries, gengivite, periodontite e outros problemas na boca. Geralmente, o médico indica um novo tipo de escova. A novidade é a escova interdental, que não precisa nem fazer movimentos, ela cuida de tudo. Ótima para preguiçosos. Não indicado para retardados como meu compadre Ameba, que usa pó de juá como dentifrício, receita do seu avô, coisa esquisita de quem não segue a modernidade e fica repetindo hábitos que os pais ensinaram. Nós, seres modernos, consideramos esse tipo de coisa tão esquisita quanto acha a comadre matuta vendo mulheres sofrendo em sessões de depilação para arrancar todos os pelos do corpo, fazendo chapinha para alisar o cabelo, passando rímel nos cílios, pintando as unhas, usando sapatos o tempo todo, comendo comida enlatada, andando de elevador, fazendo terapia, tomando refrigerante, usando absorvente feminino feito de plástico, enfim, vivendo essa merda de vida moderna e achando inaceitável, excêntrico e inconcebível o uso de raspa de juá para clarear e cuidar dos dentes. Só porque não é anunciado na TV e vendido nas grandes lojas.

Grande abraço pros meus seis leitores e abra a boca, cidadão!


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