quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Maria Soledade, a Violeta Parra da Paraíba

 


Minha estimada amiga Maria Soledade comemora oitenta anos de vida. A poeta repentista de Alagoa Grande foi companheira de Margarida Maria Alves e Maria da Penha, três marias da luta, três “Nossas Senhoras das Dores dos Mais Fracos”, sendo que as duas primeiras tombaram pelejando pelos camponeses e Soledade continua abraçada à sua viola, dando o tom de festa e de luta no Movimento de Mulheres no Brejo, fazendo a linha de canto das mulheres trabalhadoras de Caiana e todas as meninas do movimento de mulheres da Paraíba. Comparo Soledade com Violeta Parra, cantora chilena considerada a genetriz do canto de protesto e em defesa da cultura popular na América Latina. Nas canções de Violeta Parra se mistura o grito de revolta dos oprimidos e explorados com a defesa e preservação da cultura de raiz do povo latino americano.

A professora Maria Ignez Novais Ayala, responsável por vasto material de registros e memória da cultura popular na Paraíba, selecionou, organizou e apresentou o livro “Nossa história em poesia”, com a colaboração de pesquisadores do Laboratório de Estudos da Oralidade, da Universidade Federal da Paraíba. O livro contém um conjunto de poemas de Maria Soledade e depoimentos pessoais da artista. “Esta publicação, certamente, amplia o conhecimento de uma repentista que dá continuidade a saberes e fazeres tradicionais veiculados por transmissão oral e escrita de gêneros da cantoria e do cordel, além de abordar questões sociais, muitas delas relacionadas à mulher”, explica Maria Ignez na apresentação da obra. O livro foi publicado em 2016. Nele, Soledade conta que nasceu em 1942, no município de Alagoa Grande, situado na microrregião conhecida como brejo. Filha de família camponesa, criou-se em um pequeno sítio que pertencia a seus avós maternos. Ela narra uma história de infância que tem a ver com minha própria meninice na casa de minha avó Joaninha. “Maria da Soledade iniciou suas experiências poéticas na infância com a leitura cantada de folhetos diante de uma plateia comunitária e familiar. Aos oito anos, já lia corretamente”. Aprendi a ler interpretando folhetos de feira comprados pela minha avó e lidos nas suas tertúlias compostas por vizinhos e parentes. Leitor e adaptador do cordel em sua obra, Ariano Suassuna considera a cultura popular como detentora da revelação mais pura e primordial do nosso povo, sendo que a Região Nordeste é o ambiente que preservou aspectos originais, determinantes da cultura brasileira.

Nos oitenta anos dessa criadora e batalhadora, mais de sessenta anos como artista popular e sua viola rústica e tão expressiva, estou propondo à Academia de Cordel do Vale do Paraíba conceder a Maria Soledade o Troféu Violeta Formiga, outra Violeta cantadora das dores femininas e ela própria vítima de feminicídio. A taça é concedida em reconhecimento ao trabalho de mulheres, voltado para a cidadania e pela defesa dos ditames da democracia e dos direitos humanos na Paraíba. Para este propósito, já conto com o apoio da cordelista Claudete Gomes, também amiga de Maria Soledade e minha confreira na academia dos poetas de gabinete.

Há alguns anos, produzi documentário sobre a participação de mulheres nas rádios comunitárias na Paraíba, com foco na Rádio Diversidade do Jardim Veneza em João Pessoa e outras emissoras populares do interior. A direção é de Rodrigo Brandão, roteiro e música de Fábio Mozart, câmera de Jacinto Moreno e iluminação de Lúcio César, com as atrizes Das Dores Neta, Leninha Malheiros e Adriana Felizardo. Nesse filme, aparece Maria Soledade com sua viola, ressaltando o papel dessas emissoras populares para o protagonismo das mulheres e para a democratização da comunicação no país. Outro documento sobre Maria Soledade foi produzido por Leandro Costa como Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em História na Universidade Estadual da Paraíba, em Guarabira, no ano de 2018. Chama-se “Soledade Leite: dos versos à militância, uma trajetória de luta e resistência”.

No meu novo recanto de moradia, no brejo, tenho convivido com outras interlocutoras da cultura popular, entre elas a também oitentona dona Terezinha, contadora de história, para quem dedico um folheto que estou finalizando. Todas essas mulheres são nossas mestras na difícil arte de ser artista e de ser gente. Que a arte espontânea da repentista e feminista Maria Soledade continue por muitos anos nas suas múltiplas estradas brejo afora e sítio a dentro, nos festivais de violeiros, nos “pés de parede” e eventos urbanos e rurais, populares e eruditos, com seu canto artesanal já reconhecido no ambiente universitário, muito graças ao empenho de estudiosos de nossa cultura, a exemplo da iluminada pesquisadora Maria Ignez Novais Ayala. E viva as marias ricas de humanidade e saberes do povo!  

 

 

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