segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Trem de fogo morto


Estação de Paula Cavalcanti

A crônica de hoje é sobre memória. É sobre a velha e saudosa rede ferroviária. De sua malha que atravessava Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará, restaram apenas escombros, estações abandonadas, trilhos e material rodante enferrujando em ramais mortos, bilhões de prejuízo para o país. O vento forte da privatização acabou com nossa ferrovia. Examinando bem, esse talvez tenha sido o mais desastroso projeto de privatização de nossa estrutura de transporte. Para atingir as metas do neoliberalismo, o Governo decidiu não mudar a gestão das empresas públicas para torna-las mais eficientes. Privatizaram o patrimônio público em meio à fraude e falta de controle, a partir de 1992. As empresas que assumiram a administração das malhas ferroviárias não zelaram pela manutenção integral das linhas sob sua gestão. Sucatearam os ramais pouco rentáveis, em desrespeito aos termos da concessão.

O Governo Federal continuou omisso nesses anos todos. Não fiscalizou, não exigiu o cumprimento das obrigações das empresas concessionárias. Agora, o Governo está recebendo de volta trechos da malha ferroviária rejeitados pelas concessionárias. Na Paraíba, toda a malha encontra-se em estado adiantado de depreciação. O que o Governo vai fazer com esse patrimônio? Não tem dinheiro para investir. Muitas cidades ainda sonham com a volta do trem como projeto turístico. Falta iniciativa, projetos consistentes e vontade política.

Mas eu queria falar mesmo era de uma estação onde trabalhei, Paula Cavalcanti, no sítio Entroncamento, município de Cruz do Espírito Santo, na Paraíba. Umas fotos do Robinho França, filho do ferroviário e meu amigo Romildo, postadas no Facebook, me remeteram aos bons tempos de Agente de Estação naqueles ermos. Quando lá trabalhei, a vilazinha ferroviária já estava quase desabitada, a maré da decadência da rede ferroviária esvaziava seus quadros e sua estrutura. Quando me aposentei, Entroncamento já estava fechada. Da estação histórica, centro social de um mundo que não existe mais, só lembranças. Os engenhos de açúcar ao redor não são mais de fogo morto, porque apagaram-se até suas estruturas, destronaram os coronéis senhores de engenho cujo cemitério é atualmente um lugar de escombros. As casas grandes e demais patrimônios históricos da região já tombaram. Só a estaçãozinha continua de pé, aguardando solitária o golpe final do tempo e do descaso.

Meus cumprimentos, respeito, lembranças e saudações aos velhos companheiros que por ali passaram, à história que foi construída naquele pátio ferroviário de tantos anais e homens fabulosos como o famoso Coronel Trombone, tio de José Lins do Rego, lendário senhor de engenho que hoje vive nos livros do romancista de Pilar. Este quase sexagenário enxuga uma tímida lágrima, mas assim é a vida, e incompreensíveis são os percursos da História puxando uma composição de dois mil vagões carregados de nostalgia pelos trilhos da saudade.




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