quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Evangelho da saudade segundo Ofinho Costa

“Pois Deus me é testemunha de que tenho saudades de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus”. Filipenses 1:8


Mais bela do que qualquer canção é a melodia da saudade, pondera o poeta Bebé de Natércio, um dos personagens do livro “Contos de quarentena”, do engenheiro e radialista comunitário Wolhfagon Costa, professor aposentado da Universidade Estadual da Paraíba e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, velho guerreiro nas lutas comuns pela democratização das comunicações através das rádios comunitárias. Ofinho, como é conhecido pelos amigos, teve a delicadeza de me visitar em Bananeiras para oferecer o livro “Contos de Quarentena”, onde ele reflete: “Em tempos de quarentena, um contista, querendo ser poeta, sem nem prosar direito, atreve-se: ‘aqui, eu navego sem ter mar, voo sem avião. Essa bolha é meu mundo. Esses livros me guiam. Essa nave me leva ao mundo’. E acordou, nem triste, nem alegre e nem poeta. Sabe que conta”.

A reforma tributária do governo pode aumentar em 20% o preço dos livros. No caso do contista Ofinho, seu livro me saiu a custo zero, mas sua lembrança de me surpreender no meu recanto no cocuruto da serra não se estima o valor, porque muito auxiliou na evolução de me reconciliar com o processo da vida, isolado que estou desde o começo da pandemia. Foi a primeira visita que recebi em mais de um ano, mesmo porque não conheço ninguém na região onde moro atualmente.

Ofinho é natural de Solânea, onde reside, e no seu livro de contos a cidade aparece em retratos rápidos, bem humorados e zombeteiros, mas dominados por aquela comoção das lembranças do passado. Gostei de cara, li desembestado as 110 páginas cheias de ironia e fino trato da forma. Ofinho me surpreende pelo talento de escritor. Eu diria que, para estar ao nível do humor do livro, Ofinho se apresenta à altura da alta literatura, mesmo porque Solânea, antiga vila Moreno, está a mil metros acima do nível do mar.

Rachel de Queiroz acredita que “essa capacidade de morrer de saudades só afeta a quem não cresceu direito, feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodando nunca à pele nova”. Mais lírico, o poeta Moacyr Félix: “Não tenho mais em mim a vida que levei, mas sinto o mundo caminhar em minha memória”. E é de saudade que fala o livro de Ofinho, nostalgia que às vezes é pura literatura fantástica, como observou o prefaciador Rangel Júnior, descambando em alguns contos para delírios criativos, que “o isolamento da pandemia perturbou o juízo de Wolhfagon Costa”, ainda conforme o apresentador da obra. Não se define o livro de Ofinho. Às vezes é crônica ligeira, às vezes contos, outras ocasiões ganha status de poesia, construída de retalhos de infância nos contrafortes do planalto da Borborema. As pequenas coisas e loisas do banal dia a dia em uma cidade do interior, com suas figuras simples e passagens dessa vida besta que encanta, enternece e surpreende.

Sobre meu compadre Bebé de Natércio, amigo e colega de trabalho de Ofinho, deu-se a história no ano dois mil, quando o novel escritor decidiu que seria candidato a vereador em Solânea e precisou dos préstimos do poeta e compositor Bebé para a feitura de um jingle de campanha. Passados muitos dias e a eleição às portas, nada de Bebé preparar o trabalho. Ofinho encontrou Bebé por acaso em mesa de bar, com seu violão criativo. Bebé pegou o instrumento e cantou o jingle. “Fiz agorinha mesmo, gostou?” Resultado: Ofinho ganhou a eleição com meio milheiro de votos e Bebé de Natércio ganhou mais um admirador de sua arte enquanto inserida no contexto social e político do seu tempo.

 

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