terça-feira, 19 de dezembro de 2017

CARTA DE FIM DE ANO


É uma história antiga que cai sempre em dezembro. Cada um tem uma teoria própria sobre o fenômeno. É a tal depressão de fim de ano. O cara descobre que o ano passou e ele abre seu diário, só vê folhas em branco. Nada produziu. Adormeceu em janeiro e acordou em dezembro. Vagou sem rumo e sem saber o que faz nessa vida besta durante doze meses. O bom senso manda calar sobre essas coisas para evitar duas vergonhas: a constatação da perda do ano e o prazer malévolo dos inimigos.
Eu, na qualidade de eminente crítico de mim mesmo, faço a descrição dos meus infortúnios e pequenas vitórias de Pirro, um militante do PSDB que venceu a batalha do golpe, mas não levou. Quem ficou com o butim foi o PMDB.
Por falar em vitórias inúteis, lembrar que comecei a tomar uma beberagem para perder peso em janeiro. Maxixe, água de coco, maçã, limão e pepino. Perdi tempo e sofri amargor durante um período. O peso corporal não se mexeu. Tomei cerveja no Mofados Bar ao som da banda Street City com uns caras meio que alternativos. Um tal de Chuá, sujeito conversador e baixinho, foi no sanitário para enrolar uns cigarrinhos estranhos. Na volta, eu quis testar sua acuidade visual:
--- Ta vendo aquele cartaz ali na parede?
--- Que parede?
Quantas preocupações neste ano que passou! Já dizia o velho Mateus: “não se preocupe com o que comer e beber, nem com o próprio corpo. Não é a vida mais importante que essas coisinhas?” Talvez um chato teria dito a Mateus: “e sem comida, como ter vida, seu zé ruela!” Longe de mim criticar os santos homens de Deus. Mas isso foi há muito tempo, antes de Michel Temer e seus demônios amestrados. No congresso faltou quórum, no palácio faltou decoro e na mesa de Natal do proletário faltou couro de galinha, o famoso bolo de colesterol. Digo isso de passagem, pra politizar levemente meu relatório. É cada vez inacreditável a realidade desse lugar. E olhe bem e atente: quando o sujeito não acredita na realidade, ele perde a indignação social. Vira um indignado antissocial e esquizofrênico. Daí ele escreve no Facebook: “Somos todos Bolsonaro.”
Eu, pessoalmente, não me incomodo mais com o aumento da pobreza e a exploração dos mais imbecis. Descobri que ninguém dá a mínima para o abuso de que sou vítima. Aposentado, ganho um terço do que paguei durante vinte e cinco anos para a Previdência. O Governo acha muito e quer diminuir a esmola. Chama-nos de vagabundos e mortos vivos que teimam em não comer grama pela raiz. Como diria Sonsinho, devo esse assalto contínuo a três pessoas: ao Presidente de plantão, ao seu Ministro da Previdência e aos mais de quinhentos congressistas vigaristas.
Queixas à parte, neste ano conheci cada figura! Uma delas, o meu amigo Ciço da Mangabeira. Uma enciclopédia ambulante, embusteira e falaciosa. Um sujeito de índole jovial, desses que não ligam o mínimo se a vida passa e a melancolia existe. Conviver com o velho Ciço é aprender a falar com seriedade sobre coisas engraçadas e expressar com leveza assuntos sérios. Como um sábio sujeito, Ciço sabe rir de si mesmo e releva se riem dele, desde que com afeto e consideração. Ta certo.
Eu, pessoalmente, arranjei uma forma de fazer terapia para combater stress. Diagnosticada minha doença mental: senilidade. O pior é a solidão. E falta de risibilidade em geral. Daí inventamos, eu e um grupo de maduros, um programa de rádio chamado “Multimistura”. Cada quinta-feira a gente se reúne em estúdio de rádio para curtir duas horas de banalidade. Esse xaveco frívolo e ridículo alivia o peso da vida e das dificuldades dela. Se bem que tem uns caras meio que infensos ao modo humor de tratar a vida. Meu compadre Marcos Veloso, para entrar um sentido engraçado na cabeça séria dele, seria preciso uma operação cirúrgica. Psicoterapia em grupo é isso aí, o resto é relacionamento desgastado pelo tempo.
O Comendador Fábio Mozart se despede dos seus cinco ou seis leitores da Toca, lamentando o ano safado de 2017 e querendo que 2018 seja o ano em que os bandidos morram. Sim, porque no fim todos os bandidos morrem. No meu caso, repito Millôr Fernandes: "Se eu morrer, nem ligo; enfim, estarei fora de perigo."

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