terça-feira, 17 de agosto de 2021

No desfolhar dos folhetos

 

A Universidade Federal do Amapá publicou e estou lendo o livro “No desfolhar dos folhetos – escritos sobre cordel”, coletânea de ensaios sobre o cordel brasileiro, organizada por Stelo Torquato Lima, Francisco Wellington Rodrigues Lima, Marcos Paulo Torres Pereira, Elizabeth Dias Martins e Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplayne. A capa apresenta xilogravura de vendedor de folhetos na feira, com seu público ao redor e sua banquinha com a tradicional corda onde se penduravam os cordéis. Arte de Jefferson Campos para capa de Gustavo Alencar Lemmertz. O livro, com 480 páginas, fala de Leandro Gomes de Barros, Patativa do Assaré, Manuel Camilo dos Santos, Pedro Bandeira, o feminino na literatura de cordel, o sagrado, o profano e o erotismo, o folheto popular e a cultura armorial e o cordel em sala de aula. Na folha de rosto, a marca da pandemia: os autores lamentam a morte do pesquisador Francisco Wellington Rodrigues de Lima, vitimado pelo Covid-19.

Recomendo a obra aos meus compadres Manoel Belisário, Kydelmir Dantas, comadre professora Beth Baltar, Sander Lee, Stelo Queiroga, Josenildo Lima, Bento Júnior, Lino Sapo e todos aqueles que se interessam pela produção crítica do cordel brasileiro. Trata-se de uma ação do Grupo de Estudos Cordelista Arievaldo Viana, radialista e poeta popular, falecido em Fortaleza aos 54 anos de idade.

Registrar meus agradecimentos ao poeta, professor e amigo Bento Júnior, misto de cordelista, ator de teatro e secretário eventual desta isolada barata. Explico: ao me encontrar em estado eremítico no topo de uma serra na cordilheira da Borborema, distante da capital da Paraíba, deparo-me com anúncio da Editora da Universidade Federal da Paraíba sobre doação de livros do seu catálogo na lagoa do Parque Sólon de Lucena, comemorando o aniversário da capital João Pessoa. Convocado para a missão de abordar o caminhão dos livros e pegar o maior número possível das obras à disposição, o compadre Bento armou-se de duas grandes sacolas e quando chegou no local, teve uma visão desalentadora e animada, a um só tempo. Fila imensa circulava a lagoa. Bento renunciou seu lugar na fila depois que soube da norma: cada leitor só poderia levar apenas um livro para casa. Aflito, ligou:

– Fábio, não vale a pena entrar na fileira dos pidões de livros. Só deixam levar um exemplar para cada freguês, mas fiquei jubiloso demais por ver que João Pessoa ainda tem tanta gente interessada em livros!

A vida é incerta e breve é o bom funcionamento dos órgãos da vista. O glaucoma e a catarata já anuviam meus olhos. Antes que eles nublem por completo, preciso ler os livros essenciais que ainda me faltam consultar. Dediquei boa parte do meu tempo a apreender as obras da alta intelectualidade, os queridinhos das classes produtoras e autoridades constituídas. Só depois de chegar pertinho do ponto de dobrar o cabo da boa esperança é que comecei a ler e escrever sobre a literatura criada pelo povo. Em suma: preciso centrar na leitura ao nível de minhas possibilidades e dos meus interesses. Por isso espero ler “Pinto do Monteiro: Poesia, Performance e Memória”, de Maria Ivoneide da Silva, “Indexação de xilogravuras à luz da semântica discursiva e das potencialidades da folksonomia”, de Maria Elizabeth Baltar Carneiro de Albuquerque e Raimunda Fernandes dos Santos, e Cordel em Braille: procedimentos semióticos da transcodificação”, de Flaviano Batista do Nascimento e Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista, únicas obras que encontrei no catálogo da UFPB que tratam da literatura de cordel brasileiro. O cordel em Braille talvez me seja útil quando apagar a última vela da visão já incerta e inconsistente. É que pretendo morrer compondo cantigas de maldizer e de escárnio para certas almas sebosas e cantigas de bem-querer para as diletas pessoas do meu agrado.

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