O
acontecido se deu em 1934, ano em que o governo português criou o prêmio
literário “Antero de Quental”. Esse Quental foi poeta e filósofo, gostava de
escrevinhar uns sonetos um tanto revolucionários. Era contrário às “literaturas
oficiais”. Como morreu em 1891 e se tornou imortal das letras lusitanas, o
Governo criou esse prêmio quarenta e três anos após sua morte.
Fernando
Pessoa participou do concurso com o livro “Mensagem”. Perdeu para um livro intitulado
“Romaria”, de um tal Vasco Reis, pseudônimo do padre Armando Reis Ventura. O
crítico literário Gaspar Simões esculachou o livrinho do vigário. Para ele,
“Romaria” não passava de “obra para gentinha simples e sem cultura”. O
dicionário Literatura Portuguesa Moderna, do professor Massaud Moisés, assim
explicou o livro do padre Vasco: “De cunho descritivo, cronístico e
eminentemente popular, se expressa em toadas populares semelhantes às
composições repentistas da literatura oral”. O que é isso senão a descrição de
um folheto de cordel? Muitas décadas depois, nossos poetas nordestinos
escreveram centenas de cordéis para Fernando Pessoa e seus heterônimos. Exemplo
é o poeta Gustavo Dourado, baiano, professor
de Português, Literatura, Linguística, Redação, Religião, Agricultura e
Folclore Brasileiro. O que gosta mesmo de fazer é poesia de cordel. Escreveu um
cordel sobre Fernando Pessoa. Em 2008, Gustavo Dourado lançou o ABC de Vladimir
Carvalho, meu conterrâneo de Itabaiana e o cão chupando manga na arte
cinematográfica. Outra amostra é o pernambucano Adelmo Vasconcelos e seu
folheto “Fernando Pessoa, o multiplicador de eus”.
Muitos
estudiosos garantem que o cordel brasileiro veio de Portugal. Outros discordam.
Se de lá veio, já aportou na terra
brasilis sofrendo com a hostilidade e implicância da chamada cultura de
elite. Tanto lá como aqui, o cordel sobreviveu, apesar da rejeição dos
iluminados e pedantes literatos. Tanto que atualmente Portugal realiza todo ano
o Festcordel, um rico festival dedicado à literatura de cordel.
No
Brasil, a produção é grande. Além de dicionário, dossiês, pesquisas, concursos
e várias antologias, algumas academias como a Academia de Cordel do Vale do
Paraíba, na Paraíba, não dão trela à história da origem desse gênero literário.
Não temos raiz nobre, mas não queremos nos manter na marginalidade. A
discriminação alega que folheto é “literatura de cego”, livreto de matuto
analfabeto e rústico. No entanto, esses conceitos de literatura “popular” e
“erudita” estão sempre se chocando nos debates acadêmicos. Prefiro acreditar
que o cordel é uma poesia narrativa que pode ser boa ou ruim, dependendo de
quem escreve. Porque foi produzida e divulgada pelas camadas mais simples da
população nordestina do interior, nas suas origens brasileiras, a galera que
detesta arraia-miúda vê no cordel uma literatura menor. É como diz o severo e
debochado Maciel Caju: “
Esqueça a
dicotomia
Popular e
erudita
Interessa
é o que fazer
Da sua
obra escrita
Pode ser
conservador
Até
escritor xiita
Ou limpa
o rabo com ela
Ou será
cosmopolita.
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