Cicatrizes de flagelação de escravo |
Estou lendo o livro “Ingá,
retalhos de história, resquícios de memória”, do professor Alexandre Ferreira,
uma obra que surpreende pela qualidade do texto e pelo detalhamento histórico. Já
vou na página 95, e aí dei uma paradinha pra escrever o que me impressionou:
nesta altura do livro, Alexandre menciona o que para muitos é lenda, fato
ocorrido na Fazenda Mata Nego, em Ingá.
A historiadora Miriam da Luz
e Silva colheu depoimento de Maria de Lourdes da Conceição, filha de escravas
que viveu nessa propriedade no século dezenove. Ela lembra antiga história que
sua avó contava sobre a então próspera fazenda, tocada por dezenas de escravos.
O dono da fazenda era Ludovico de Melo Azedo, um sujeito aparentemente muito
azedo e desumano, conforme se vê adiante. Esse senhor de escravos usava um método
radical para se livrar dos seus escravos velhos e doentes: mandava matar o
desgraçado.
Conta a história que em
determinado período, o número de escravos inabilitados para o trabalho aumentou
bastante. O Ludovico teve uma ideia que só depois de muitos anos outro degenerado
moral veio a repetir. Falo de Hitler em relação aos judeus e os famosos fornos
crematórios nazistas. O fazendeiro desalmado ordenou que os negros velhos e
moribundos encoivarassem o mato seco em torno das árvores de baraúna. Depois
ordenou que os escravos velhos entrassem nessas coivaras e ateou fogo, matando
a todos carbonizados. Por causa desse episódio dantesco o lugar ficou conhecido
como Fazenda Mata Nego até hoje. “Morreram todos assados, agarrados aos troncos
das árvores, tentando fugir das chamas que consumiam tudo ao redor”, lembra
Conceição.
“Não se sabe com certeza se
essa “técnica” de suplício mortal foi usada outras vezes pelo fazendeiro
Ludovico de Melo Azedo. O fato é que a violência do ato marcou de tal forma a
população do Ingá que até hoje, ao escutarmos o relato sobre o episódio, temos
a sensação de ouvir os gritos e gemidos dos negros sendo consumidos pelo fogo. Os
nomes e rostos dessas pessoas desapareceram com o tempo, no entanto seu martírio
permanece vivo no imaginário do povo de Ingá”, escreve Alexandre Ferreira.
Entretanto, como a história é
escrita pelos vencedores, o nome do latifundiário Ludovico de Melo Azedo é
lembrado e homenageado em uma importante avenida da cidade do Ingá. Esse
desatinado e crudelíssimo senhor jamais deveria ser lembrado com honra, porque
cometeu crimes contra a humanidade.
Foi a própria desumanidade da
escravidão que gerou movimentos de insurreição dos escravos. O caráter do
colonizador, a própria mentalidade do europeu que veio para o Brasil forjaram a
marca e a cara do tipo de escravidão que aqui se praticou e são as causas do país
que temos hoje, injusto e altamente preconceituoso, apesar da falácia de “democracia
racial”. As tragédias sociais não são obras do acaso.
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