terça-feira, 30 de outubro de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



A “namorada do meu Brasil” carece de galanteios
Adeildo Vieira

Conheci Salvador no início dos anos oitenta. Aos vinte e muito poucos anos fui apresentado à cidade que já conhecia pela obra dos baianos. Uma sensação de déjà vu cultural me trazia uma certa intimidade com praias, ruas e logradouros públicos da capital baiana, isso porque seus mais ilustres anfitriões tiveram a alegria de me guiar pelo coração da Bahia a bordo de canções, poemas e livros, todos consagrados pela história da cultura brasileira. Teleféricos de nuvens, guiados por Caetano, Gil, Dorival Caymmi, Jorge Amado e outros sagrados motorneiros, ainda carregam o mundo para uma vista panorâmica da Baía de Todos os Santos.
Já em 1938 Dorival Caymmi fazia uma indagação para a história, o que inspira respostas para todo o sempre. “O que é que a baiana tem?” é uma canção que consagrou a Bahia aos olhos do mundo na voz de Carmem Miranda, uma luso-brasileira recheada de Brasil que fez o samba ecoar em terreiros onde era gestado o jazz e o rock. Ali já era avisado que “quem não tem balangandã não vai no Bonfim”, ou seja, para se receber a unção dos santos que protegem o povo baiano há que se carregar no coração a alma da Bahia. Ainda, trocando em miúdos, há um sentimento de ser Bahia nos baianos que não se curva ante os sentimentos de outros povos, ainda que os respeite.
Esse exemplo histórico me faz perguntar “o que é que a Paraíba tem?”, que cala na boca dos artistas paraibanos o sentimento de falar sobre a Paraíba. Já admitindo uma mea culpa, tento entender o porquê de nós artistas não manifestarmos o ato espontâneo de cantar os cantos e recantos de nossa própria vida, instalados simbolicamente na geografia sentimental do nosso estado. Não falo só de praias e praças, mas de personagens, situações, relações de convívio que caracterizam a nossa identidade de paraibano.
Vejamos o quanto são isoladas as manifestações de contemplação, como as exaltadas por Políbio Alves ao nosso Varadouro, Jackson à nossa Campina Grande, Fuba à nossa Porta do Sol, Cátia de França à nossa Ponta do Seixas. Estes dois últimos transformando canções em cartões postais de nosso extremo oriental, lembrando a força de uma canção Caymmesca.
Bom, também pergunto se valeria a pena convocar os criadores a voltarem seu olhar para o umbigo de sua própria casa, já que esse tem que ser um sentimento espontâneo, fruto de sua relação com o chão que pisa e o céu que lhe cobre. Mas arrisco afirmar que este sentimento pode ser construído a partir de uma tomada de consciência identitária atrelada a um olhar mais contemplativo dos terreiros e quintais de nossa história. Ninguém melhor do que os artistas para juntar sentimento e contemplação num trabalho que teria o poder de negar o “Négo” estampado na nossa bandeira. O poder de trazer à tona a história viva do rio Sanhauá, que fora afogada por um incidente histórico marcado por sangue e morte.
Sem bairrismo, autocontemplar-se é ato de afirmação, é dizer sim para possibilidades a partir de si mesmo.


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