A “namorada
do meu Brasil” carece de galanteios
Adeildo Vieira
Conheci
Salvador no início dos anos oitenta. Aos vinte e muito poucos anos fui
apresentado à cidade que já conhecia pela obra dos baianos. Uma sensação de
déjà vu cultural me trazia uma certa intimidade com praias, ruas e logradouros
públicos da capital baiana, isso porque seus mais ilustres anfitriões tiveram a
alegria de me guiar pelo coração da Bahia a bordo de canções, poemas e livros,
todos consagrados pela história da cultura brasileira. Teleféricos de nuvens,
guiados por Caetano, Gil, Dorival Caymmi, Jorge Amado e outros sagrados
motorneiros, ainda carregam o mundo para uma vista panorâmica da Baía de Todos
os Santos.
Já em 1938
Dorival Caymmi fazia uma indagação para a história, o que inspira respostas
para todo o sempre. “O que é que a baiana tem?” é uma canção que consagrou a
Bahia aos olhos do mundo na voz de Carmem Miranda, uma luso-brasileira recheada
de Brasil que fez o samba ecoar em terreiros onde era gestado o jazz e o rock.
Ali já era avisado que “quem não tem balangandã não vai no Bonfim”, ou seja,
para se receber a unção dos santos que protegem o povo baiano há que se
carregar no coração a alma da Bahia. Ainda, trocando em miúdos, há um
sentimento de ser Bahia nos baianos que não se curva ante os sentimentos de
outros povos, ainda que os respeite.
Esse exemplo
histórico me faz perguntar “o que é que a Paraíba tem?”, que cala na boca dos
artistas paraibanos o sentimento de falar sobre a Paraíba. Já admitindo uma mea
culpa, tento entender o porquê de nós artistas não manifestarmos o ato
espontâneo de cantar os cantos e recantos de nossa própria vida, instalados
simbolicamente na geografia sentimental do nosso estado. Não falo só de praias
e praças, mas de personagens, situações, relações de convívio que caracterizam
a nossa identidade de paraibano.
Vejamos o
quanto são isoladas as manifestações de contemplação, como as exaltadas por
Políbio Alves ao nosso Varadouro, Jackson à nossa Campina Grande, Fuba à nossa
Porta do Sol, Cátia de França à nossa Ponta do Seixas. Estes dois últimos
transformando canções em cartões postais de nosso extremo oriental, lembrando a
força de uma canção Caymmesca.
Bom, também
pergunto se valeria a pena convocar os criadores a voltarem seu olhar para o umbigo
de sua própria casa, já que esse tem que ser um sentimento espontâneo, fruto de
sua relação com o chão que pisa e o céu que lhe cobre. Mas arrisco afirmar que
este sentimento pode ser construído a partir de uma tomada de consciência
identitária atrelada a um olhar mais contemplativo dos terreiros e quintais de
nossa história. Ninguém melhor do que os artistas para juntar sentimento e
contemplação num trabalho que teria o poder de negar o “Négo” estampado na
nossa bandeira. O poder de trazer à tona a história viva do rio Sanhauá, que
fora afogada por um incidente histórico marcado por sangue e morte.
Sem
bairrismo, autocontemplar-se é ato de afirmação, é dizer sim para
possibilidades a partir de si mesmo.
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