Pra
matar Zeus de inveja
Adeildo Vieira
É
grande a subida ao Olimpo. É grande, mas muitos arriscam a escalada. Se
aventuram, pois não se conformam com a condição de reles mortal, desejando o posto
de semideus ou até mesmo disputando o trono de Zeus. Este é o projeto de muitos
artistas que almejam a fama com o exclusivo intuito de abandonar o mundo
terreno para habitar o pedestal do mito, onde será alvo de idolatria. Ocupado
esse posto, o escalador de montanhas míticas não terá mais pessoas ao seu redor
e sim objetos cevadores de sua vaidade, úteis à engorda de seu ego, mas
absolutamente inúteis às suas necessidades prementes de se relacionar como ser
humano.
Quem
usa seu projeto artístico para atingir essa meta está na contramão dos mais
nobres conceitos de arte. Arte é coisa de gente, é instituto das abstrações e
do pensamento humanos. Trilhar a rota dos deuses e semideuses é atalho ilusório
para se chegar à redenção, aquela perseguida pela humanidade, cuja busca a faz vagar
por caminhos tortuosos e difusos. A arte existe justamente para que essa busca
não destrua o coração da humanidade e a faça navegar, ainda que seja a bordo de
faróis flutuantes, na certeza de que o exercício da dúvida apontará o cais dos
seus sonhos. Sim, trata-se da certeza que mora na dúvida. Pra quem é humano,
ser deus é uma alegoria da sua própria ilusão.
Faço
arte, porque quero me afirmar como pessoa humana e vivo a avidez de me misturar
com meus pares. Não quero que recebam de mim um simples “bom dia” como se fosse
um ato de extrema generosidade e nem transformar meu corpo num corpus
carregado de simbologias, dotado de uma aura que o torne instrumento de
desejo de um simples toque. Quero pegar o mesmo ônibus que todos usam pra se
dirigir à vida e à morte. Afinal, não abro mão de ser mortal.
A
hiper exposição midiática tira nossos pés do chão e os conduz ao Olimpo. Isso é
inevitável na sociedade que se faz refém da indústria da informação e da
cultura de massa. Morar no Olimpo é a sentença de quem veste a túnica
cintilante das mídias. Isso seria problema pra mim, mas essa condição é objeto
de desejo de tantos outros que nem imaginam a fragilidade das relações geradas
por essa realidade. Afinal, como confiar em pessoas que não admitem em você a
possibilidade de defeitos, de insegurança ou de sentimentos humanos dos mais
elementares? Como abraçar a quem se prostra aos pés de um altar onde você está
instalado? Quem diz que lhe ama, entrega esse amor a você ou à representação de
seus próprios ideais projetados em você? Bom, acho que o melhor mesmo é poder
compartilhar amores e dores com quem
habita o mesmo plano astral. Aqui vai meu recado a quem carrega no bolso
uma ordem de despejo pra Zeus. Ou mesmo praquele que, em seu desejo de
imortalidade, deseja matar Zeus de inveja.
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