“Cantiga de
Ninar:” ninando o amanhã em coro
Adeildo
Vieira
Rua
Manoel Barbosa de Andrade, número 81 – Itabaiana – Paraíba. Este é o endereço
da minha infância, em rua íngreme esburacada, numa casa de quintal grande, pé
direito muito alto e garagem onde nunca repousou um carro, mas a ardorosa
esperança de tê-lo. São muitas as lembranças do pequeno menino que pouco
crescera. As recordações mais ternas, entretanto, remontam cenas em que eu,
repousando minha inocência no colo do meu pai, sentia a vibração de sua voz
entoando sucessos radiofônicos ao meu ouvido, no embalo da rede. Mais forte
ainda é lembrar minha mãe ninando meu irmão mais novo com cantigas inventadas
por Deus. Sim, de tão emocionantes, aquelas canções mais parecem a trilha
sonora do gênesis. Foram compostas antes do mundo ser inventado.
Acho
que as emoções mais profundas, as que justificam minha existência, continuam
sendo embaladas naquela rede, ao som do timbre da voz do meu pai e daqueles
movimentos angelicais da minha mãe segurando docemente o punho da rede, tecendo
no ar melodias que chamavam os anjos do céu para velar o sono dos filhos. As
cantigas de ninar são a força da ternura, da qual nenhuma infância passa impune
e nenhum adulto, imagino eu, se faz imune a profundos sentimentos de existir.
Mas
hoje é a minha Itabaiana que tem seus sonhos ninados pela melodia das idéias
gregárias dos ativistas de um Ponto de Cultura que vem mexendo com o coração da
cidade. Cantiga de Ninar é o nome da
entidade criada para velar o sono dos justos e perturbar a noite dos tiranos
que conspiram contra a alma do cidadão itabaianense. Fábio Mozart, Clévia Paz,
Marcos Veloso, Orlando Otávio, Roberto Palhano e muitos outros agitadores da
esperança trabalham para que um dia a Rainha do Vale do Paraíba venha por a
cabeça no travesseiro e dormir de consciência tranquila, sabendo que o coração
do seu povo pode brincar de felicidade em suas ruas e terreiros. Pra isso
traçam planos culturais que vêm acordando cantores, músicos, atores e tantos
outros artistas que eram vítimas de sono induzido. Terno também é o canto que
faz acordar da letargia pra que se vivam os sonhos.
Os
ativistas do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar sabem que não é apenas a ternura
que abre caminhos na vida, é preciso saber identificar os algozes da
tranquilidade e neutralizá-los com golpes de inteligência, arma infalível
contra aqueles que não sabem da grandeza possível no coração das pessoas.
Já
estive presente em eventos promovidos pela entidade. Cantei e ouvi cantarem.
Fiquei emocionado como se a voz do meu pai sussurrasse em meu ouvido, numa
cantiga de ninar há trinta e sete anos de distância. Mas estamos falando de
hoje, do dia em que catamos sorrisos no olhar de jovens e velhos, todos
construindo um amanhã onde cantigas de ninar sejam entoadas em coro. Um
sentimento Itabaiana me deu a certeza de que nem tudo está perdido.
(Crônica publicada no jornal A UNIÃO
em 21/10/2012)
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