As ondas artesanais da Rádio Universitária
Adeildo Vieira
Inesquecível aquela tarde de sábado, 30 de agosto de
1986. O Show “Todas as Estrelas”, produzido pelo Musiclube da Paraíba,
enfrentava uma platéia vazia, pois nenhum evento musical preencheria o vazio
que a cena cultural paraibana passava a viver naquele dia. Era o velório do
querido e saudoso maestro Pedro Santos. Mas o show aconteceu assim mesmo.
Tocamos uns para os outros e registramos o feito em fita cassete, sem imaginar
que muito em breve o malfadado show ganharia o público da Rádio Universitária
FM, que abraçava as ousadias dos músicos independentes de nossa cena cultural.
Ao acionar o PLAY daquele tape deck, Nandinho Azimuth, nosso músico e operador de
som, estava produzindo um registro histórico.
A Rádio Universitária era um porto seguro para nossos
sonhos. Um paradigma radiofônico que prezava pela coerência de se respeitar o
processo cultural local, mesmo calcado por uma realidade que impedia excelência
técnica em suas produções. Mas eu não continha a satisfação de perceber nas
ondas do rádio o projeto de inclusão cultural negado por todas as demais
emissoras, ainda que mostrasse a crueza da realidade a que estávamos
submetidos.
Este afã de inclusão cultural era capitaneado pela
ação obstinada do diretor de programação da emissora. Carmélio Reynaldo,
professor do então DAC - Departamento de Arte e Comunicação da UFPB, era o
capitão desta nau que insistia em manter-se no rumo da coerência. De mãos grudadas
no timão de suas ideias, deixava claro o papel que deve ter uma emissora de
rádio em divulgar uma programação regional, como reza na constituição
brasileira.
Bom, mas como não tínhamos estúdios de gravação na
Paraíba à época, Carmélio criou uma forma de veicular nossas produções
caseiras, geralmente gravadas em fitas cassete. De forma artesanal, abria as
caixas de fitas de áudio virgens e as cortava no tamanho que coubesse uma
canção. Depois as emendava novamente, gravando uma determinada música nos dois
lados da fita. Estava ali criado um cartucho de áudio para um tape deck, de
forma que, ao terminar a execução da canção ela já estaria no ponto de ser
tocada no outro lado, sem ter que rebobinar. E assim foi construído o acervo de
músicas dos compositores paraibanos independentes, incluindo-se aí várias
canções do show “Todas as Estrelas”, que estaria fadado ao esquecimento não
fosse este debruçamento poético de Carmélio Reynaldo sobre nossos sonhos de
tocar no rádio.
E foi assim, ainda nos anos oitenta, que, extasiado,
ouvi minha voz no rádio pela primeira vez. Ainda imaturo para a lida musical,
eu já sentia a responsabilidade de ver minha produção viajando nas ondas do
rádio, mas também experimentava a rara sensação de inclusão da alma musical
paraibana num projeto democrático de radiodifusão. Em nome desse projeto muitas
lutas são travadas até hoje contra os poderes que negam a alma da Paraíba,
manifestada em seus artistas. As emissoras comerciais gastam muito mais energia
para obstruir a difusão da nossa produção cultural do que desprendia Carmélio
em suas empreitadas artesanais para promover a nossa inclusão.
Quero apenas lembrar que cada vez que alguém ouvir a
voz de um artista paraibano no rádio, lembre de reverenciar a história da Rádio
Universitária FM e seu diretor com alma de artesão.
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