O rapaz que amava Gal
Costa
Meu
compadre Walter Florêncio trabalhava como locutor da Rádio Difusora Nazaré em
Itabaiana, nos anos 70, onde eu brincava de ser programador dessa emissora
aventurosa do meu compadre Ivo Severo. Com seus 17 anos de idade, Walter era um
rapaz romântico, arrebatado e imaginativo. Primeiro se enamorou de uma
prostituta, aquela que o desflorou na Rua do Carretel. Depois, caiu de amores
pela cantora Gal Costa, ao ouvir a moça cantar “Baby” e “Divino maravilhoso”.
Digam o
que disserem, mas a vida é boa, basta você pinta-la com as cores da imaginação
e ir em frente, ou pra trás, depende do embalo dos seus sonhos ou pesadelos.
Para Walter, Gal Costa era mais do que uma cantora de sucesso. O sujeito era um
apaixonado por convicção. Esse devaneador comovente e raro, porque não é todo
mundo que cai de amores por um ídolo, me pediu para escrever uma carta galante
para o seu fetiche, a esbelta estrela baiana Gal Costa, de voz bela e
emocionante interpretação.
Pois
acreditem: escrevi e mandei para a gravadora de Gal o bilhete:
“Querida
Gal Costa: meu nome é Walter Florêncio, sou locutor de uma pequena estação de
rádio numa cidadezinha da Paraíba e eu quero um xodó com você. Verdade seja
dita, já vivo tomado de amores pela sua pessoa, sabendo que isso de amar uma
capa de disco é um mal desnecessário porque ninguém merece atormentar-se por
uma paixão meio assim patológica. O mais provável é que eu me torne alcoólatra,
porque todos os dias me embriago no baixo meretrício, pensando em você
refletida na figura da pobre, desajeitada, trivial e vulgar rapariga que me
afaga os cabelos sem carinho.
Utopia?
Em absoluto. Sei que minha estrela está há mais de mil milhas náuticas e
quatrocentos anos luz, mas, e sempre tem um porém, sua imagem sensual e
provocativa, exalando pimenta e libertinagem, me deu coragem para dormir com
uma puta de boca vermelha, maquiada e maliciosa profana, igual a você. Com esse
ato, deixei de ser virgem e passo a me considerar seu amante. Meus amigos
zombam de mim, mas nenhum deles é namorado virtual de uma vaca profana.
Estou
prestes a ser demitido de minha função de disc
jockey da rádio onde trabalho, porque o dono não aguenta mais ouvir Gal
Costa tocando toda hora. Eu disse a ele que se trata de encarar invertido o
problema: não é o som de Gal que atrapalha a programação, mas os outros
artistas que impedem o livre trânsito dessa voz largada, afinada,
despreocupada, lírica e ouso até dizer, revolucionária que veio da Bahia. Para
mim só existe o disco de Gal, o resto é poluição sonora.
Eu acho
que você é uma estrela que se conhece e se basta. Sua beleza inquietante vai
atingir pessoas de todas as idades daqui para mais cinquenta anos ou mais. Seu
canto será para sempre o BG, a cortina sonora de minha vida simples,
potencialmente alterada pela adoração a essa musa.
Com um
beijo insano desse fã desatinado,
Walter
Florêncio”
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