segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O rapaz que amava Gal Costa


Meu compadre Walter Florêncio trabalhava como locutor da Rádio Difusora Nazaré em Itabaiana, nos anos 70, onde eu brincava de ser programador dessa emissora aventurosa do meu compadre Ivo Severo. Com seus 17 anos de idade, Walter era um rapaz romântico, arrebatado e imaginativo. Primeiro se enamorou de uma prostituta, aquela que o desflorou na Rua do Carretel. Depois, caiu de amores pela cantora Gal Costa, ao ouvir a moça cantar “Baby” e “Divino maravilhoso”.

Digam o que disserem, mas a vida é boa, basta você pinta-la com as cores da imaginação e ir em frente, ou pra trás, depende do embalo dos seus sonhos ou pesadelos. Para Walter, Gal Costa era mais do que uma cantora de sucesso. O sujeito era um apaixonado por convicção. Esse devaneador comovente e raro, porque não é todo mundo que cai de amores por um ídolo, me pediu para escrever uma carta galante para o seu fetiche, a esbelta estrela baiana Gal Costa, de voz bela e emocionante interpretação.

Pois acreditem: escrevi e mandei para a gravadora de Gal o bilhete:

“Querida Gal Costa: meu nome é Walter Florêncio, sou locutor de uma pequena estação de rádio numa cidadezinha da Paraíba e eu quero um xodó com você. Verdade seja dita, já vivo tomado de amores pela sua pessoa, sabendo que isso de amar uma capa de disco é um mal desnecessário porque ninguém merece atormentar-se por uma paixão meio assim patológica. O mais provável é que eu me torne alcoólatra, porque todos os dias me embriago no baixo meretrício, pensando em você refletida na figura da pobre, desajeitada, trivial e vulgar rapariga que me afaga os cabelos sem carinho.

Utopia? Em absoluto. Sei que minha estrela está há mais de mil milhas náuticas e quatrocentos anos luz, mas, e sempre tem um porém, sua imagem sensual e provocativa, exalando pimenta e libertinagem, me deu coragem para dormir com uma puta de boca vermelha, maquiada e maliciosa profana, igual a você. Com esse ato, deixei de ser virgem e passo a me considerar seu amante. Meus amigos zombam de mim, mas nenhum deles é namorado virtual de uma vaca profana.

Estou prestes a ser demitido de minha função de disc jockey da rádio onde trabalho, porque o dono não aguenta mais ouvir Gal Costa tocando toda hora. Eu disse a ele que se trata de encarar invertido o problema: não é o som de Gal que atrapalha a programação, mas os outros artistas que impedem o livre trânsito dessa voz largada, afinada, despreocupada, lírica e ouso até dizer, revolucionária que veio da Bahia. Para mim só existe o disco de Gal, o resto é poluição sonora.

Eu acho que você é uma estrela que se conhece e se basta. Sua beleza inquietante vai atingir pessoas de todas as idades daqui para mais cinquenta anos ou mais. Seu canto será para sempre o BG, a cortina sonora de minha vida simples, potencialmente alterada pela adoração a essa musa.

Com um beijo insano desse fã desatinado,

Walter Florêncio”


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