João Pessoa era apenas uma imagem de cidade grande aos
olhos de um menino, cheia de mistérios emaranhados entre velhos sobrados e rios
mansos, o desconhecido de uma cidade exótica, ao mesmo tempo aristocrática e
primitiva. Guardo a constituição daquelas imagens antigas, resgatadas sempre
que puxo o filme dos meus primeiros anos, um encontro sedutor e desafiante. A
cidade deixando-se descobrir na distância e no desconhecido, o menino
germinando a fascinação pela urbe provinciana que aos seus olhos parecia a
grande metrópole berço do desconhecido.
Essa distância íntima viajava no velho jipe do meu pai, fazendo o percurso Itabaiana-João Pessoa nas esburacadas estradas dos anos 70, uma viagem que não chegava nunca, que voltava eternamente ao desconhecido, como um calidoscópio vertiginoso, produzindo um número infinito de combinações que mergulhavam nas retraídas águas do Sanhauá. Desmistificada anos depois, João Pessoa veio a me propor novos modos de percepção estética. Mas não deixei para trás a cidade dos sonhos, elevada e comoventemente poética. Esse ambiente quase mítico ainda mora em mim, quem sabe uma resposta ao impacto alienante da vida moderna, da desumanização, do crescimento desordenado. O espaço urbano limpo, o silêncio e a simplicidade das pequenas aglomerações urbanas, o retrato imaginário que ainda hoje carrego comigo, foto 3x4 do meu mundo dos sonhos, o sublime das imagens de antigas igrejas, velhos faustos, vetustas riquezas.
Assim eu me deixei envolver por João Pessoa, e esse namoro infantil se estendeu à vida adulta. Quarenta anos depois, volto aqui para morar definitivamente, no bucólico bairro de Jaguaribe, ganhando o estatuto de cidadão pessoense por força de exercitar o timbre, a cadência e o ritmo dessa urbe, e de saborear sua qualidade de vida.
Aquele vulto arcaico de poeta escrevendo a epopéia de João Pessoa teve que se distanciar dos assuntos grandiosos e heróicos e aproximar-se do fato sangrento referente à Revolução de 30, apontando ainda as dores, sofrimentos, sonhos e agonias da cidade contemporânea, mas sem esquecer o que provém da história no que há de mais profundo nela.
Houve um recuo brutal no nosso estilo de vida. Um amigo afirmou que o único prodígio de João Pessoa é haver chegado tão longe com uma classe dirigente tão ruim. Isso pode se aplicar também ao Brasil, e é uma longa e constante preocupação dos que verdadeiramente amam esta cidade. É assustador o desnível social, a precariedade da saúde e da educação. Em meio a isso, ainda bem que temos a ação fecundante, purificadora e iluminadora de homens como o livreiro Heriberto Coelho, o compositor Fuba, o jornalista Dalmo Oliveira, o poeta Lau Siqueira, o comunicador Cardivando de Oliveira e tantos outros homens e mulheres que simbolizam o intelecto e a consciência desta velha cidade, em sua forma evolutiva.
João Pessoa pertence a uma linhagem nobre das cidades brasileiras, e isso nem seus mais afoitos inimigos podem desdenhar. O Sebo Cultural anuncia concurso literário sobre aspectos relacionados à cidade de João Pessoa, como uma forma de homenagem à capital paraibana. Mário Quintana já dizia que preferia ser alvo de um atentado do que de uma homenagem: o atentado é mais expedito e não tem discurso. Mas não tem jeito: vai aqui meu discurso sobre essa cidade, porque falar é emergir paixão.
Hoje, João Pessoa é minha casa. Na casa da gente, é onde acendemos o fogo, simbolizando esse lume a purificação e a regenerescência. Na nossa casa, queremos ordem, paz, respeito, beleza e espiritualidade. Da nossa casa observamos os vizinhos, na ânsia da mais feérica conversação cosmopolita. Porém, sem perder a ponte com o interior, um interior que se abre generoso para a exuberância da nossa mais autêntica paraibanidade.
(Crônica publicada na coletânea “Sonho de Feliz Cidade”, lançada pelo Sebo Cultural em 14 de dezembro de 2007)
Essa distância íntima viajava no velho jipe do meu pai, fazendo o percurso Itabaiana-João Pessoa nas esburacadas estradas dos anos 70, uma viagem que não chegava nunca, que voltava eternamente ao desconhecido, como um calidoscópio vertiginoso, produzindo um número infinito de combinações que mergulhavam nas retraídas águas do Sanhauá. Desmistificada anos depois, João Pessoa veio a me propor novos modos de percepção estética. Mas não deixei para trás a cidade dos sonhos, elevada e comoventemente poética. Esse ambiente quase mítico ainda mora em mim, quem sabe uma resposta ao impacto alienante da vida moderna, da desumanização, do crescimento desordenado. O espaço urbano limpo, o silêncio e a simplicidade das pequenas aglomerações urbanas, o retrato imaginário que ainda hoje carrego comigo, foto 3x4 do meu mundo dos sonhos, o sublime das imagens de antigas igrejas, velhos faustos, vetustas riquezas.
Assim eu me deixei envolver por João Pessoa, e esse namoro infantil se estendeu à vida adulta. Quarenta anos depois, volto aqui para morar definitivamente, no bucólico bairro de Jaguaribe, ganhando o estatuto de cidadão pessoense por força de exercitar o timbre, a cadência e o ritmo dessa urbe, e de saborear sua qualidade de vida.
Aquele vulto arcaico de poeta escrevendo a epopéia de João Pessoa teve que se distanciar dos assuntos grandiosos e heróicos e aproximar-se do fato sangrento referente à Revolução de 30, apontando ainda as dores, sofrimentos, sonhos e agonias da cidade contemporânea, mas sem esquecer o que provém da história no que há de mais profundo nela.
Houve um recuo brutal no nosso estilo de vida. Um amigo afirmou que o único prodígio de João Pessoa é haver chegado tão longe com uma classe dirigente tão ruim. Isso pode se aplicar também ao Brasil, e é uma longa e constante preocupação dos que verdadeiramente amam esta cidade. É assustador o desnível social, a precariedade da saúde e da educação. Em meio a isso, ainda bem que temos a ação fecundante, purificadora e iluminadora de homens como o livreiro Heriberto Coelho, o compositor Fuba, o jornalista Dalmo Oliveira, o poeta Lau Siqueira, o comunicador Cardivando de Oliveira e tantos outros homens e mulheres que simbolizam o intelecto e a consciência desta velha cidade, em sua forma evolutiva.
João Pessoa pertence a uma linhagem nobre das cidades brasileiras, e isso nem seus mais afoitos inimigos podem desdenhar. O Sebo Cultural anuncia concurso literário sobre aspectos relacionados à cidade de João Pessoa, como uma forma de homenagem à capital paraibana. Mário Quintana já dizia que preferia ser alvo de um atentado do que de uma homenagem: o atentado é mais expedito e não tem discurso. Mas não tem jeito: vai aqui meu discurso sobre essa cidade, porque falar é emergir paixão.
Hoje, João Pessoa é minha casa. Na casa da gente, é onde acendemos o fogo, simbolizando esse lume a purificação e a regenerescência. Na nossa casa, queremos ordem, paz, respeito, beleza e espiritualidade. Da nossa casa observamos os vizinhos, na ânsia da mais feérica conversação cosmopolita. Porém, sem perder a ponte com o interior, um interior que se abre generoso para a exuberância da nossa mais autêntica paraibanidade.
(Crônica publicada na coletânea “Sonho de Feliz Cidade”, lançada pelo Sebo Cultural em 14 de dezembro de 2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário