quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Poder militar, carnes itinerantes e outros absurdos


Eu viajando com um jovem amigo, de razoável cabeça e arejada visão de mundo.  O papo: situação de violência sem controle nas escolas, nos bairros da periferia, falta de limites na vida social. De repente, me surpreende a tese do cara. Para ele, já está na hora dos militares tomarem o poder e botar ordem na casa. Depois, entregariam aos civis as rédeas da nação, com os potros devidamente amestrados. Não receia a possibilidade dos fardados gostarem de mandar e ficarem por mais vinte anos, como foi na última vez em que o Brasil virou um grande quartel. “O país agora é outro, as pessoas têm mais consciência, até nas quebradas mais humildes tem gente que estuda, frequenta faculdade, sabe onde tem as ventas. As Forças Armadas não teriam mais condições de se manter por muito tempo”, acredita ele.  

Com razoável experiência nessas coisas de regime de força, eu disse: chega uma hora em que, quem tem a arma, não entrega a rapadura nem para quem inventou democracia. Isso é uma tese que não se sustenta na História da humanidade. Nenhuma nação se reconstruiu ou se elevou sob o poder militar, e só posso imaginar que você defenda isso porque realmente a mídia vem sustentando essa saída pela tangente democrática na defesa de altos interesses prejudicados. Atropelar a democracia em nome do combate à violência é trocar o tiro perdido nas quebradas pelo tiro, igualmente sem lei, do poder armado.  Chega um instante em que a autoridade é posta em prática apenas para reprimir as consciências, e isso é muito grave.

Isso eu disse ao rapaz, um cara que vivia em comunidades pobres e conseguiu superar sua condição de cidadão de segunda classe através do estudo. Ficamos nessa conversa um tempão, até passar em um sítio nas proximidades de nossa cidade.

--- Pára aí, vamos dar carona àquela moça, é minha conhecida.

Parei o carro, ele foi ajudar a mulher que conduzia uma caixa de papelão. Abri a mala do carro, verifiquei umidade na caixa. Alguma coisa gelada. Após deixar a amiga em sua casa, meu compadre explicou:

--- Aquela caixa carrega carnes e outros produtos perecíveis. Ela é diretora da escola no sítio, todo dia leva e traz as carnes para botar em sua geladeira, porque na escola não tem esse luxo.

Eu disse:

--- Taí explicada a nossa pendenga. O que falta nesse país é uma revolução pela educação do tipo sonhada por Leonel Brizola e por mestres iguais a Cristóvão Buarque. Acabar com essa cachorrada de pagar salário indecente ao professor, oferecer escola de tempo integral com tudo que o aluno precisa para se educar, federalizar as escolas do ensino básico, enfim, investir com gosto nesse setor. Em dez anos, acabava esse papo de crianças das periferias terem chefes do tráfico como seus heróis. Aos domingos, a banda dos alunos tocando bem cedo para anunciar os torneios com seus colegas atletas. O Brasil ganhando medalhas e mais medalhas, a população despertando para os verdadeiros valores da cidadania. E sabe por que não dá certo militar no comando? Chega uma hora em que os estudantes querem tocar seu trombone lendo suas próprias partituras. Os milicos, o que fazem? Confiscam os trombones e as bocas.

Meu amigo ficou meio assim assim, ainda querendo defender sua tese fardada e verde olivada. Daí me toquei sobre a história da professora e suas carnes viajantes. Se a escola não tem geladeira, por que as carnes estavam refrigeradas no fim do dia? Das duas, três: ou a moça estava surrupiando merenda escolar ou a secretaria de educação do município está fazendo um dedo em pé e quatro rodando com a verba da educação. Veio então outra tese de jerico à baila: o problema do Brasil é o seu povo. Urge então trocar de povo ou “locupletemo-nos todos”, como diria o cínico Millôr Fernandes.


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