Não sei se
acontece só comigo, mas marcar horário com dentista é algo assim como saber
exatamente o momento de ir ao matadouro para ser abatido. Necessidade de fazer
um tratamento dentário. Abrir a boca para um desconhecido que nem sei para qual
time torce ou se é a favor da volta da ditadura, escancarar seu ser para um
terapeuta de incisos e caninos que mete os ferros em suas feridas cariadas e
pergunta se está doendo, que tipo de dor, se por acaso essa dor não seria uma
invenção da sua mente doentia e depois, quanto tudo consumado, lança o golpe
mortal na sua conta bancária, cobrando os tubos pela tortura.
Vou assim
mesmo, porque sou um herói e o mundo vai se acabar um dia mesmo, tanto faz que
seja hoje, na horinha da dor suprema ao som do zumbido da broca. Antes, terei
que fazer um test-drive odontológico: comer rapadura e bochechar com água bem
gelada para saber exatamente onde estão os furos das cáries. Evitar que o dentista
visite todos os 32 dentes com seu ferrinho afiado e cruel, batendo na porta de
cada um incisivo, canino e molar, indagando se é ali que mora o sofrimento.
Antes de
sentar na cadeira do dragão, é bom fazer as contas do tratamento, para fins de
controle orçamentário mesmo e para amenizar as picadas, que uma dor encobre a
outra. Reparar nas revistas à disposição dos clientes na antessala é também
conveniente: se só tiver a revista Caras no cestinho, é sinal de que seu médico
o tem na conta de idiota ou novo rico, desses que se enternecem com a vida dos
ricos, todos com saúde perfeita, mulheres sem barriguinha e com sorrisos
Colgate.
Esses
tratamentos, às vezes, incluem uma severa assepsia bucal e exame acurado em
busca de cáries, gengivite, periodontite e outros problemas na boca.
Geralmente, o médico indica um novo tipo de escova. A novidade é a escova
interdental, que não precisa nem fazer movimentos, ela cuida de tudo. Ótima
para preguiçosos. Não indicado para retardados como meu compadre Ameba, que usa
pó de juá como dentifrício, receita do seu avô, coisa esquisita de quem não
segue a modernidade e fica repetindo hábitos que os pais ensinaram. Nós, seres
modernos, consideramos esse tipo de coisa tão esquisita quanto acha a comadre
matuta vendo mulheres sofrendo em sessões de depilação para arrancar todos os
pelos do corpo, fazendo chapinha para alisar o cabelo, passando rímel nos
cílios, pintando as unhas, usando sapatos o tempo todo, comendo comida
enlatada, andando de elevador, fazendo terapia, tomando refrigerante, usando
absorvente feminino feito de plástico, enfim, vivendo essa merda de vida
moderna e achando inaceitável, excêntrico e inconcebível o uso de raspa de juá
para clarear e cuidar dos dentes. Só porque não é anunciado na TV e vendido nas
grandes lojas.
Grande
abraço pros meus seis leitores e abra a boca, cidadão!
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