Dona Cássia não enxerga bem, mas vê longe |
Em 2009 eu montei a Biblioteca Jornalista Arnaud Costa, instalada no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. Graças à ajuda de amigos, conseguimos muitos livros, algumas estantes e um computador patrocinado pelo Ministério da Cultura através do Programa Cultura Viva.
O
objetivo era iniciar um projeto de incentivo à leitura em Itabaiana, cidade que
não possui bibliotecas públicas, muito menos livrarias. A princípio, uma
estudante assumiu a gerência da biblioteca. Depois que casou, foi cuidar de sua
vida doméstica e deixou o projeto. Criamos o “Livro na feira”, para doar,
vender, emprestar e expor livros na feira livre da cidade. Também não prosperou
por falta de voluntários dispostos para a tarefa semanal de montar uma barraca
na feira.
Maestros Antonio Maurício e Vital Alves |
Assim
seguíamos, experimentando o terreno incerto da promoção da cultura numa terra
tão devastada neste sentido. O prefeito Antonio Carlos assumiu com o discurso
de que daria apoio às ações do Ponto. Pedimos um funcionário municipal para nos
ajudar, ficando à disposição da entidade. Promessa feita e ainda não cumprida.
O que eu
não sabia, mas depois fui tomando conhecimento aos poucos, é que as ações
positivas do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar começam a emitir sinais de
energias positivas do inconsciente coletivo, porque, de uma forma ou de outra,
estamos plantando sementes para uma cultura baseada na ética, no aprendizado
das nossas expressões culturais mais legítimas e na solidariedade. Se não fosse
assim, o maestro Antonio Maurício não sairia do Recife para dar aulas de teoria
musical no Ponto de Cultura, assumindo todas as despesas de transporte. Achando
pouco, ainda contribui com vinte reais todos os meses. Na sua atitude, coloca
em primeiro lugar o gosto por ajudar jovens dispostos a estudar música e a fé
na seriedade das ações desta associação.
Em uma
reunião das coordenações do Ponto, foi colocado o problema de nossa biblioteca
sem uma pessoa para gerenciar. Foi quando dona Cássia Meneses, mãe de uma das
alunas do curso de violão, se colocou à disposição para assumir o cargo como
voluntária, de quarta a sexta-feira no turno da tarde. Um detalhe: dona Cássia
é deficiente visual, tem forte redução da capacidade visual em ambos
os olhos, com caráter definitivo. Lê com dificuldade, mas gosta de ler.
“Perguntaram
um dia a Bernard Shaw se ele acreditava que o Espírito Santo havia escrito a
Bíblia”, contou o escritor Jorge Luiz Borges em uma palestra pública certa vez. “E
Bernard Shaw respondeu: ‘Todo livro que valha a pena ser lido foi escrito pelo
Espírito’.” Borges, quase cego
total, percebia o livro como algo quase mágico. Mesmo cego -
podia distinguir apenas o vulto de alguém à sua frente - ele seguia comprando
livros. Assim é nossa nova gerente da biblioteca Arnaud Costa. Não tem o culto
ao livro demonstrado pelo grande escritor argentino, mas a mesma obsessão por
ultrapassar suas deficiências e ajudar a abrir caminhos através do livro. “Eu
sigo brincando de não ser cego”, dizia Borges.
No Ponto
de Cultura Cantiga de Ninar, a gente segue brincando de não viver numa cidade
onde o livro há muito que não faz parte da realidade e necessidade imediata do
seu povo. Borges escreveu: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais
assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões do seu corpo.”
Parabéns pelo trabalho de incentivo à leitura. Parabéns à Cassiana pela proposta de voluntariado. Obrigada por acreditar na capacidade de uma pessoa que quer contribuir e incluí-la no trabalho tão importante! Cassiana tem alegria que pode atrair as crianças para o espaço de leitura, sabedoria e capacidade de crescer naquilo que faz!!!
ResponderExcluirNatal Lânia