Dando vez às vozes do passado e do futuro
Adeildo
Vieira
É
no olho-no-olho que a gente constrói as melhores relações humanas e proporciona
os melhores resultados no aprendizado entre gerações. De pai pra filho, de
velhos pra jovens o melhor mesmo é a oralidade presenciada, testemunhada,
palpada, sentida. A presença ante o mais velho traduz muito mais que palavras,
ela carrega a magia do momento sedimentada pela simbologia do afeto, do
respeito, da inter-relação entre papéis, que naturalmente estabelece uma
ambientação pedagógica. Por vezes o lúdico comanda este processo, geralmente
traduzido pelo prazer de se estar presente compartilhando o som, as cores, as
palavras, a dança, os ritos sagrados, os sabores, os gestos, o olhar distante
que se embrenha na natureza no afã de sabedoria. É assim que se transmitem os
saberes pela tradição oral, numa ação pedagógica espontânea que permite a
manutenção de códigos culturais, atravessando gerações.
O
mundo acadêmico é essencial para a produção do conhecimento, mas o pragmatismo
do mundo científico jamais deve preterir dos saberes traçados pelas
experiências empíricas que deram sentido às vidas de pessoas que legitimaram
seus conhecimentos pela força da sobrevivência. Há que se considerar que neste
movimento em torno da própria história, essas pessoas produziram cultura
através dos mais diversos ritos que justificam sua existência. A academia nem
precisa se curvar diante desses saberes, basta que os respeite e os reconheça. Melhor que isso, promovam-se as
trocas, os compartilhamentos.
Os
mestres da cultura popular, detentores de conhecimentos ancestrais que
promoveram a gênese da nossa formação racional e sensorial, são hoje
personagens em risco de extinção por serem alvo da discriminação de quem não
reconhece a grandeza de sua existência. Os mercados culturais abastecem os
meios de comunicação com seus produtos pasteurizados, criando paradigmas
culturais que negam essas expressões mais telúricas. Uma onda de preconceito
orquestrada pela ignorância consagra a exclusão dos atores dos saberes
populares, afastando-os dos ambientes festivos ou mesmo impedindo sua relação
com educação formal. É comum as escolas se debruçarem sobre modismos vazios e
sequer reconhecerem a importância desses conhecimentos populares para a
formação do cidadão a partir dos referencias de sua própria identidade. A
desvalorização desses mestres do saber do povo desestimula até a continuação do
ofício pelos familiares. Os mestres tendem a envelhecer sem deixar eco nas
salas do futuro.
Atualmente
corre no Congresso Nacional a discussão para a aprovação da Lei Griô, que busca
o reconhecimento dos mestres populares e a inserção dos seus saberes nos
processos educacionais formais, considerando o rico processo da tradição oral.
Não se trata de um instrumento de proteção mórbida aos mestres, daqueles que
garantem um salário simbólico até que morram junto com seu conhecimento.
Trata-se da consagração de um movimento de valorização desses personagens e
seus saberes, garantindo amparo legal para promover a permanente difusão dos
nossos códigos culturais mais arraigados que fervem no coração desses
personagens tão importantes para a nossa história. Quem sabe assim recuperemos
traços de relações humanas que vêm sendo perdidos pela modernidade tecnológica.
Enquanto
isso, eu percebo que jamais esqueci uma só palavra das canções que meus pais cantavam
ao pé da minha rede. Não posso dizer o mesmo das aulas de ciências.
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