Vinicius de Moraes escreveu “O poeta
aprendiz”, sobre um guri que tinha o senso da poesia, talvez o próprio poetinha
aos dez anos de idade. Os poetas antigamente começavam a poetar nos cueiros,
até chegar a um irretocável soneto já na idade senil. Ou morriam antes, sem
cometer um verso sequer aproveitável. Hoje, é fácil e desagradável achar na
rua, no salão de festa, até no bloco de carnaval, aquele chato que te tortura
com uns versos “pé quebrado” no pé do ouvido, sem suspeitar que é apenas uma
anta de um poetastro.
Uma dessas antas aprendizes de poeta me
pegou de chofre com essa interessante questão:
--- Você que é metido a poeta, me
diga que palavra devo usar no lugar de “murcha”, que é uma expressão banal, não
cabe no meu poema: “Nos teus olhos eu vi / um buquê com duas flores / murchas.”
--- Primeiro, eu não sou metido a
poeta. Poeta mesmo é João Cabral de Melo Neto, e metido a poeta pode ser
Ronaldo Cunha Lima. Se muito, sou um pereba que cometeu meia dúzia de quatro
versos murchos algum dia, mas se redimiu do crime a tempo. Segundo, vai
depender do sentido do verso, do que você tenta dizer com esse negócio de buquê
no olho.
O cara declarou que queria florear a
sua poesia. Desses que acham que poesia tem que ter palavra bonita, rima rica
de Brasil com varonil e alguma flor enfeitando o nada. Há quem veja uma beleza
entranhada na mediocridade. Eu, alma rude, só vejo burrice mesmo. No caso, eu
queria contribuir substancialmente para que a humanidade se livrasse daquele
futuro monstro travestido de poeta.
--- Rapaz, quer um conselho? Deixe
essa merda de flor murcha mesmo. É mais interessante para o contexto. O verso
não vale nada de qualquer jeito.
O aprendiz de poeta me chamou de
cretino e ignorante das coisas poéticas e desconhecedor das palavras flácidas.
Melancólicas? Triste? Flores mirradas? Não adiantou. Por mais que eu tentasse
uma palavra adequada para regar a flor murcha do sujeito, fui obrigado a admitir
que aquele emurchecido vegetal guardava um quê de formosura na sua imagem de
fina flor do kitsch romântico
popular.
O aprendiz de poesia brega encerrou a
consulta, crente que eu zombava de propósito de seu trabalho jeca ridículo. Não
sei se já mencionei que esse cara é estrangeiro, dono de uma inveja sadia de
nossos poetas. No seu país, talvez não conheça nenhum. Quer ser poeta em
português, coisa que o redime de alguma forma. Claro que não veio da Europa cosmopolita,
é gente aqui do terceiro mundo que jamais leu Neruda nem se importa com o que
diz Florbela Espanca. Sente uma inveja sadia de nossos poetas tipo J.G. de
Araújo Jorge, o mais amoroso e brega sonetista brasileiro. Seja como for, o
cara anda lendo poesia, o que o torna melhor em todos os sentidos.
Desenvolve áreas intelectuais,
emocionais e sociais, mesmo empacando em flores caprichosamente brochas em
buquês estrambóticos. Menos mal.
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