“Minha mãezinha
Que já está com sessentinha
Vou cantar essa modinha
Pra senhora se lembrar”
Que já está com sessentinha
Vou cantar essa modinha
Pra senhora se lembrar”
(Martinho da
Vila – Calango longo)
No caso, minha
mãezinha já está com oitentinha completados ontem. Nossa anciã da tribo
continua a nos dar lições, mesmo calada, fragilizada, o andar mais lento, as
juntas doendo. Falamos de velhos parentes que não se sabe onde vivem, ou se estão
mortos. Cadê Jackson, Josué, os filhos de tia Judite? Quando se fica velho,
contar a memória é assim como perpetuar e enriquecer as novas gerações. A voz
tribal que repassa as notícias dos antepassados mais remotos, ir buscar as
origens familiares no seu ponto inicial, essencial.
Quando saí do
óvulo-casulo da família, minha mãe tinha 42 anos de idade, uma jovem senhora
dedicada ao esposo e ao lar, a última geração a preservar os valores de um
mundo que não existe mais, de fidelidade e compromisso de proteger a relação
familiar com respeito e dignidade. Agora, nós ficamos semi-perplexos ao vê-la
dedicada ao marido num esforço constante para afinar as asperezas com
compreensão e carinho, há mais de meio século. Para muitos, é estranho
testemunhar essa relação. A muitos parece apenas subjugo patriarcal. Difícil
entender, nós que não vivemos a cultura das primeiras décadas do século vinte,
quando só no início dos anos 50 as mulheres começaram a ter acesso aos cursos
universitários. Era se preparar para casar e ser uma boa esposa, dedicada ao
marido a vida inteira. Moça “de prendas domésticas”, como se dizia, que vive
para cuidar do marido, dos filhos e da casa.
Penso que minha
mãe, como as demais de sua geração destinadas ao lar, perderam muita
coisa ao passar a existência centradas no esforço de dar conforto aos
familiares, sem pensar em si, sacrificando sonhos e projetos pessoais, se é que
existiam em suas mentes adaptadas à filosofia de vida de suas épocas. No
sagrado lar não se permitiam máculas, pelo menos aparentemente. Foi nesse clima
que fomos educados. O pai ordena, a mãe obedece e repassa as coordenadas ao
restante da família. Subverter essa “ordem natural” era desafiar o pátrio
poder, com sérias consequências.
De uma forma ou
de outra, “a vida é uma ordem”, conforme o imperativo drummondiano. O tempo
tudo apaga, tudo acende de novo, e esse repetido acender-se e apagar-se das
coisas é que torna aos nossos olhos o ato de viver uma coisa assim absurda e
fantástica. Minha mãe é uma linda, brilhante e elegante espécime de um mundo
grandioso e esplendoroso que ela revive com tristeza e nostalgia.
Feliz
aniversário, dona Iraci.
Parabéns, dona Iraci!
ResponderExcluirSaúde e vida longa pra senhora.
Abraço carinhoso.