sábado, 20 de dezembro de 2014

Cesta de natal para o velhinho aposentado


O Sindicato dos ferroviários ligou para mim, falando de uma cesta de natal que estava me esperando. “Você ainda consta da nossa lista, venha buscar sua cesta”, disse o companheiro Anselmo. Às vezes a gente fica contente por saber que ainda está na lista, que não desapareceu por completo das lembranças. De fato, muita gente que se aposenta sai da visibilidade, fica meio assim morto-vivo, deslocado nesse mundo prático das coisas rodantes nessa engrenagem cruel onde só se nota o semovente ativo.

Quantos aposentados vagam pela cidade junto aos monumentos esquecidos, pelas calçadas decrépitas, saudosos de um tempo em que as pessoas não jogavam papel no chão nem esperavam velhinhos para fins de assalto na esquina. Homens de bigodes brancos e pernas finas, no meio do turbilhão de pessoas se acotovelando em filas para comprar a passagem, entre trombadinhas e trombadões procurando encrenca. Senhores sendo empurrados ou ameaçados, agredidos na praça pública, numerados e identificados pelo sistema, humilhados pelo banco que exige sua presença trêmula para provar que ainda sobrevive.

Fico agradecido pela cesta natalina do sindicato, onde o atendente é meu compadre Bené, figura com quem vale a pena demorar por dois ou três dedos de prosa. “Você sabia que esta cidade consome 500 quilômetros de papel higiênico dentro do cesto e mais ou menos 400 quilômetros fora do cesto, ao dia?”, pergunta de chofre meu compadre Bené. O mundo é muito mais interessante visto pelos olhos do mentiroso, penso eu cá com meus dois botões. Tem sentido, “porque na Europa...”, explica Bené, em mais uma de suas teorias malucas.

Saio com minha cesta, empurrando a bicicleta que me serve de muleta por causa da artrose. No banco da praça, um velhinho cochila em silêncio, em cima de sua bengala. Passo no shopping onde não posso entrar com minha bicicleta, transporte de pobre fedorento. Fico de bobeira no Ponto Cem Réis, admirando os Papai Noel de plástico nas bancas dos camelôs e os de carne e osso, esses derretendo debaixo de suas roupas vermelhas nas portas das lojas de 1,99. Parece um Papai Noel comum, mas quando você vai ver, ele coça a bunda e retira o enchimento de algodão da cabeça para arejar os piolhos. Tenho vontade de dar minha cesta de natal a esse Papai Noel de porta de loja, com validade claramente vencida. O Noel, não a cesta!

E fui andando, empurrando minha magrela desconjuntada, minhas honestas e tortas mãos segurando firme o guidom, decrépito senhor de meia idade sem nada de digno em sua postura de aposentado se concentrando nas dores da artrose nos joelhos, bacia e dedos com artrite.  Eu e minha bicicleta, duas coisas abandonadas à sua condição de qualquer coisa.



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