Garotos do meu time de futebol em Mari |
“Confesso que me
fatiguei um pouco; que importa! Combatemos, vencemos, isso é o que importa”. N.
Kazantikakis
“Cuide só da sua vida”, dizia
minha mãe. Quando fui viajar pelo mundo a pé, ela aconselhou: “Não fale com
estranhos”. Não dou trela a estranhos, mas não cuido só de minha vida.
Quando cheguei na pequena
cidade de Mari em 1988 para assumir o cargo de Chefe da estaçãozinha de trem,
passei a cuidar da vida dos outros, um tanto por não ter muito o que fazer na
repartição.
Entre as muitas ações, me meti
com futebol. Tomei conta de um time por nome Canteiro. Ensinava rudimentos do
futebol a um bando de garotos de sete a onze anos, incluindo meu filho Arnaud
Neto.
Uma discreta lágrima correu
pelo meu rosto nesta sexta-feira. Foi no bar de Zé. Cheguei, me abanquei e pedi
uma cerveja. Só um freguês no recinto, tomando sua gelada, calado. De repente,
puxou conversa. Disse que era de Mari. Morava agora em Cruz das Armas, padeiro
de profissão. À guisa de maiores esclarecimentos, me apresentei como cidadão
honorário de Mari onde morei por 12 anos. O homem abriu um sorrisão. Quase não
acreditou quando eu disse que era o antigo chefe da estação ferroviária.
--- Você mudou demais, ta mais
gordo, sem barba e sem cabelos grandes – espantou-se.
Foi quando confessou que devia
ao antigo técnico uma dívida de honra. Seu filho Hozanan, de quem eu nem
lembrava mais, jogava no meu time.
--- Ele era preguiçoso pra
estudar, mas depois que foi jogar no Canteiro, avançou nos estudos porque dizia
que seu Fábio exigia boas notas para fazer parte da equipe. Hoje é um pai de
família, estudou, se deu bem na vida, e isso em parte devo a você – revelou o
padeiro.
Chiquinho Padeiro, o nome da
fera, pai de Hozanan meu ex-pupilo, permita que eu faça esse registro público
da satisfação em saber que esse Leão rabugento, mas de coração mole, ajudou
crianças a tomar gosto pelos estudos através do esporte.
Acho que já contei aqui essa
história de minhas aventuras como cartola e técnico de futebol em Mari pela
centéssima quinquagésima vez. Não vou repetir, prometo. Apenas permitam
consignar por escrito uma frase de minha autoria que foi eu mesmo que pensei:
“Nosso futebol arte perdeu para o futebol malandragem e o futebol mercenário,
entretanto, o futebol cidadão jamais colherá mal resultado”.
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