quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sobre a arte de ver o tempo passar




Eu gosto de escrever o texto à mão. Escrevo rápido as ideias principais e reescrevo. Depois digito no computador. 


É terapêutico escrever abobrinhas diariamente ao nascer do sol, neste espaço cibernético. Queria ter a mesma assiduidade com as coisas práticas do dia-a-dia. Sou o rei da procrastinação. “Não deixe para amanhã o que pode ser feito depois de amanhã”. Tarefas que a gente vai encostando, perdendo tempo com bobagens tipo Facebook, Twitter, Gmail, bar de Zé. Enquanto isso, a pia cheia de louça suja, a agenda repleta de compromissos inadiáveis que vão sendo adiados, os livros a serem lidos, os projetos para sonhar, o cachorro pra vacinar.

Tenho o questionável hábito de levar a vida sem referências concretas. Um dia quero uma coisa, no outro isolo o foco em determinado objetivo, vou perambulando pelos alvos sem me concentrar em nada especificamente. Um beija-flor ingênuo que nem percebo que os tempos são outros, que o tempo propriamente dito vai acabando para mim e nada de abandonar aquele olhar descomprometido sobre a vida.

Com mais de dez anos de ócio de aposentado, o trabalho me convoca todos os dias, estou sempre atrasado, com muito tempo para sonhar e criar que fico assim como mosquito em campo de nudismo, sem saber onde pousar. Gosto de pensar que todo dia reinvento a vida. Ela, a vida, me quer frenético, eu fico só dando pistas falsas, prometendo sem cumprir. De vez em quando me aventuro nos espaços simbólicos e sombrios, dando lugar para o que não tem lugar, exercitando meus mistérios. Isto não está na agenda. Isto é poesia.

“O tempo, esse ‘chronos’ devorador voraz dos próprios filhos, na sua obsessão pelo poder”, na visão de Luiz Henrique Pellanda, escritor curitibano. Esse danado é que é o supra sumo da verdade, embora abstrato, que para contá-lo somos obrigados a mentir. Mentimos sobre nossa verdadeira idade cronológica, sobre nossas espectativas. Já reparou como a gente se recusa a seguir adiante? Talvez por isso, para adiar o tempo que nos resta, protelamos as coisas. Vai que a morte tenha a relação de tarefas que devemos realizar antes de partir. Tenho pra mim que só estarei preparado para o andar de cima quando deixar de olhar a vida e o mundo como criança, com a curiosidade e o encanto da primeira vez. E sempre tem novas paisagens pra se ver amanhã.

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