Hoje é o dia do
orgulho ateu. Não me considero ateu, mas agnóstico. Um ser à procura da grande
verdade, doido para descobrir a olho nu a nudez e a dimensão trágica da vida e
da morte e outras filosofóticas exegéticas, mas, no fundo, no fundo, só consigo
vislumbrar, fracassado e decadente, a experiência do erotismo de Madame
Preciosa na sua busca intensiva de liberação dos desejos carnais, “que é a
aprovação da vida até na própria morte”, conforme o filósofo Bataile.
Resumindo, o que eu quero mesmo nesta vida é rosetar.
Estas filosóficas e bestas
palavras eu dedico a um contemporâneo que, do seu modo, revelou-se contra uma
moral normalizadora provinciana. Meu compadre Bebé Chorão, que Deus o tenha,
figura concebida como um misto de sacristão e putanheiro, beijador de mão de
padre e chupador de “belas” no baixo meretrício e no alto das camas das mais
populares damas das noites do Carretel, fidelíssimo tomador de cachaça e
fumador de piola, tocador de sino e de punheta, o homem que foi locutor dos
mortos, anunciador de enterro com sua voz rascante de inveterado fumante e
alcoolista. Passou meio século zelando a Igreja de Nossa Senhora da Conceição,
na cidade Itabaiana do Norte.
Quando nosso grupo de
teatro recebeu autorização do Padre Antonio Kemps para ensaiar a “Paixão de
Cristo” na Igreja Matriz, Bebé era nosso auxiliar e alcoviteiro. Abria a Igreja
de madrugada para os ensaios, enquanto ficava entretido com sua meiota no bar
de Índio ou no “fuá”. Uma noite, o padre chegou à procura do seu sacristão,
sendo imediatamente levado à pensão de Julieta. Naquele lugar estranho, com
luzes vermelhas e mulheres meio embriagadas, o sacerdote perguntou:
--- Meninos, onde
estamos?
--- No cabaré, seu
padre. É aqui que Bebé vive.
O bom pároco saiu do
antro da perdição comicamente desesperado, com Bebé correndo atrás:
--- Padre Antonio, eu
explico, eu explico...
Foi suspendo por três
dias da penitência de beijar o Santo Ofício com seus lábios impuros. Ficou só
nisso a punição.
Ano passado, com mais
de meio século de trabalho na Igreja, Bebé foi aposentado compulsoriamente pelo
novo padre. Não resistiu viver longe do seu universo de santos, defuntos e
missas, foi a óbito. Ninguém anunciou o enterro do nosso Bebé. Quase ninguém
chorou a morte de Bebé Chorão. A gente que pensava que Bebé fosse eterno. De
certa forma, ele foi um homem que, com sua vida devassa e ao mesmo tempo
santificada pelos incensos, figuras e cerimônias religiosas, apontava para uma
certa liberação dos comportamentos das formas normativas instituídas por uma
ética e uma moral cristãs.
Bebe chorão, grande cara. Parecia ser ou tolo, abestado ou coisa parecida, mas tinha uma personalidade porreta. Sou testemunha de uma passagem do Bebe, que muitos com certeza não faria o que ele fez repudiando um ato preconceituoso da época que era pratica comum nas religiões, principalmente na católica.
ResponderExcluirEu era coroinha, ajudava o Padre João Gomes quase que diariamente na celebração da missa.
Certo dia de domingo, a Igreja estava lotada,no final do lado direito do interior da Igreja, sempre algumas mulheres do carretel, assistiam a missa, coitadas, se sentiam tão humilhadas no ambiente que se cobriam com o véu sobre o rosto que quase ninguém as percebia.
Nesse citado domingo duas beatas ferrenhas e de relevância no social da cidade as reconheceram, e foram diretamente na sacristia ordenar que Bebe fossei até lá e as retirasse da igreja. Bebé disse que não faria isso. Elas prontamente se dirigiram ao Padre João, que nesse momento junto comigo já nos dirigíamos para o altar.
Gritaram!, Padre , espere um momento e falaram;
Padre na casa do Senhor tem varias prostitutas querendo assistir a missa, pedimos ao Bebe para que as mandasse embora e ele não obedeceu.
Padre João, preconceituoso até a alma, puxador de saco das famílias ricas, renegava a sua própria por ser pobre, não morava com ela e sim com uma família de renome na cidade (até hoje não sei se ele tinha parentesco ou não com essa família), se dirigiu até o Bebé, e ordenou que ele as retirasse do recinto da Igreja.
Foi ai que vi a bravura de um ser tão simples e humilde, enfrentar o Padre respondendo o seguinte:
“Vou não Padre, elas são tão filha de Deus como eu, o Sr. e essas Senhoras ricas, são pecadoras sim como Madalena foi, mas eu também sou e muita gente que ta aqui na missa também é, o Sr pode até me dispensar, mas não vou não. Padre João disse pra ele, depois da missa vamos conversar. Se houve conversa não sei, só sei que Bebe ficou na Igreja , só agora tomei conhecimento que foi que foi o Padre Antonio Kemps que o dispensou.
Como diz hoje Roberto Carlos, “Bebé era o Cara daquela época.
Orlando Araujo.