quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Chico Cesar faz trilha sonora de paixão na Rua da Tatajuba

Rua da Tatajuba (Itabaiana/PB) enfrentando enchente. (Foto: Josevaldo Amâncio)


Encontrei esse conto em meus arquivos, mas não identifiquei o autor. Senhor autor, por favor, se acuse. Achei parecido com o estilo do meu compadre Efigênio Moura, mas não dou certeza.

Tambor (a música)


Letra: Chico César
Disco: Mama Mundi
Ano: 2.000
Gravadora: MZA Music



Tambor (o conto)
Cenário: Itabaiana-PB



Por trás da 13 de Maio, tem a Rua da Facada, no centro de Itabaiana. Era lá que morava Edgleysson. Claro que poderia ser somente Edgley, mas Antonielson seu pai queria dar sequencia à linhagem dos ‘son’ herdada do Sitio Piacas, em Salgado de São Félix. Edgleysson era porteiro no colégio de Emir, no Dom Bosco e era viciado em sofrer por Sandra. De tanto vê-la partir, se preparava para o doer de cada volta. Era assim que ele sobrevivia às ausências preparadas, intrometidas, certeiras e verdadeiras de Sandra.
Sandra não gostava de Edgleysson.
Sandra não gostava de andar a pé na Rua da Facada.
Sandra só passava na Rua da Facada de Moto Taxi.

- É esse jeito de madame dela Joaozinim, que me arrebenta todin!

Sandra lá do Campo do Náutico pouco tinha o que fazer no outro lado da cidade, na verdade era na Rua Tatajuba o lugar onde ela mais gostava de desfilar e lá, de pés descalços.
Sandra meio que sambava naquele calçamento irregular, naquela rua esquecida, de esgotos espiando pro céu, tampando narinas e fazendo criar músculos nos anticorpos dos meninos que brincavam ali de pés descalçados, Sandra tentava ser o destaque para que a plateia formada de apenas dois olhos prestasse atenção em sua volta e a visse, a quisesse, a possuísse, a tomasse, invadisse... Sandra queria Bastião Sombreiro, jardineiro de algumas poucas casas de madame da Rua Grande.
Havia um pouco de Drumond ali, mas a cena mesmo queria era ser de Chico César, a cantiga que a Rainha FM tocava nas vezes que Edgleysson ouvia moto com a garupa cheia de madame se esforçando para subir a sua rua.
Edgleysson gostava de Sandra que gostava de Bastião Sombreiro que gostava de Jussara que não tinha tempo nem de ouvir o marido falar dos jardins das madames, das podas dos fícus, nem de escutar aquele cantor que pulava que só a molesta que veio de Catolé do Rocha, cidade perto de Jericó, sua terra natal.
A moto subindo a rua da facada, Edgleysson subindo o som:

“Agora que você voltou
Arranque minha pele
Faça um tambor
E por favor não vá nunca mais”

Assim mesmo. Entregue. Rendido. Vencido. Dominado.
Além do mais, era comum ela parar na casa vizinha a dele, tirar o capacete, agitar seus cabelos cor de, de, de, uma cor que a gente nem sabe dizer direito que cor era aquela...
- Acaju. Uma mistura de cor de madeira com pitadas de caju. Vermelho.
Pronto. Edgleysson sabe tudo mesmo da mulher desejada, querida, quiçá amada.
Ele, já apoiado na pequena parede cor de caixão de anjinho, absorvido pela imagem daquela mulher Sandra, que por sua vez, olhava para o interior da casa vizinha a dele como se esperasse alguém surgir, o moto taxista com os dois pés no chão, ela com nenhum  (pra não pisar na Rua da Facada), ele (Edgleysson) com o controle do som 3 em 1 na mão, aumentava de onde estava mesmo a música que servia de moradia para os sonhos dele com ela:

Nem me diga
Por onde andou
Agora que você voltou
Já esqueci
Quando foi e por quê

A música era a mesma. O cantor o mesmo. A entrega também.

- Már Joaozin, a danada da música é do mermo níve do meu sentir por essa maravia...

Ela ouvia, ria e continuava esperar o nada sair de dentro da casa vizinha. Vez em quando a moto taxista escorregava um pé e acelerava a moto e a freava também, ela resmungava...
- Num saia não que eu tô pagano.
            Edgleysson não ouvia Sandra, a música de Chico César já programada para repetição, soltava mais frases...

Esqueci as palavras rudes
Que ensaiei pra dizer
Agora que você voltou
Fique comigo em paz
Meu amor
E por favor não vá nunca mais.

Era Edgleysson ali submisso. Absorto. Obediente. Estatelado em cima de uma paixão platônica. Era o pouco que ele achava muito.
Agora, cansada de saber que não sairia ninguém daquela casa vizinha a de Edgleysson, nem pra reclamar do som alto e depois de ouvir aquele trecho apelativo, sabia que ainda restava poupança. Sandra toca nas costa do moto taxista que acelera seu instrumento de trabalho e parte fazendo barulho.
Na porta da casa de Edgleysson, ele suspira e sorri.
Na música um final:

“Please don't go”

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