Rua da Tatajuba (Itabaiana/PB) enfrentando enchente. (Foto: Josevaldo
Amâncio)
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Encontrei esse conto em meus arquivos, mas não identifiquei o autor. Senhor autor, por favor, se acuse. Achei parecido com o
estilo do meu compadre Efigênio Moura, mas não dou certeza.
Tambor
(a música)
Letra:
Chico César
Disco:
Mama Mundi
Ano:
2.000
Gravadora:
MZA Music
Tambor
(o conto)
Cenário:
Itabaiana-PB
Por
trás da 13 de Maio, tem a Rua da Facada, no centro de Itabaiana. Era lá que
morava Edgleysson. Claro que poderia ser somente Edgley, mas Antonielson seu
pai queria dar sequencia à linhagem dos ‘son’ herdada do Sitio Piacas, em
Salgado de São Félix. Edgleysson era porteiro no colégio de Emir, no Dom Bosco
e era viciado em sofrer por Sandra. De tanto vê-la partir, se preparava para o
doer de cada volta. Era assim que ele sobrevivia às ausências preparadas,
intrometidas, certeiras e verdadeiras de Sandra.
Sandra
não gostava de Edgleysson.
Sandra
não gostava de andar a pé na Rua da Facada.
Sandra
só passava na Rua da Facada de Moto Taxi.
-
É esse jeito de madame dela Joaozinim, que me arrebenta todin!
Sandra
lá do Campo do Náutico pouco tinha o que fazer no outro lado da cidade, na
verdade era na Rua Tatajuba o lugar onde ela mais gostava de desfilar e lá, de
pés descalços.
Sandra
meio que sambava naquele calçamento irregular, naquela rua esquecida, de
esgotos espiando pro céu, tampando narinas e fazendo criar músculos nos
anticorpos dos meninos que brincavam ali de pés descalçados, Sandra tentava ser
o destaque para que a plateia formada de apenas dois olhos prestasse atenção em
sua volta e a visse, a quisesse, a possuísse, a tomasse, invadisse... Sandra
queria Bastião Sombreiro, jardineiro de algumas poucas casas de madame da Rua
Grande.
Havia
um pouco de Drumond ali, mas a cena mesmo queria era ser de Chico César, a
cantiga que a Rainha FM tocava nas vezes que Edgleysson ouvia moto com a garupa
cheia de madame se esforçando para subir a sua rua.
Edgleysson
gostava de Sandra que gostava de Bastião Sombreiro que gostava de Jussara que
não tinha tempo nem de ouvir o marido falar dos jardins das madames, das podas
dos fícus, nem de escutar aquele cantor que pulava que só a molesta que veio de
Catolé do Rocha, cidade perto de Jericó, sua terra natal.
A
moto subindo a rua da facada, Edgleysson subindo o som:
“Agora que você voltou
Arranque minha pele
Faça um tambor
E por favor não vá nunca mais”
Arranque minha pele
Faça um tambor
E por favor não vá nunca mais”
Assim mesmo. Entregue. Rendido. Vencido. Dominado.
Além do mais, era comum ela parar na casa vizinha a dele, tirar o
capacete, agitar seus cabelos cor de, de, de, uma cor que a gente nem sabe
dizer direito que cor era aquela...
- Acaju. Uma mistura de cor de madeira com pitadas de caju.
Vermelho.
Pronto. Edgleysson sabe tudo mesmo da mulher
desejada, querida, quiçá amada.
Ele,
já apoiado na pequena parede cor de caixão de anjinho, absorvido pela imagem
daquela mulher Sandra, que por sua vez, olhava para o interior da casa vizinha
a dele como se esperasse alguém surgir, o moto taxista com os dois pés no chão,
ela com nenhum (pra não pisar na Rua da
Facada), ele (Edgleysson) com o controle do som 3 em 1 na mão, aumentava de
onde estava mesmo a música que servia de moradia para os sonhos dele com ela:
Nem me diga
Por onde andou
Agora que você voltou
Já esqueci
Quando foi e por quê
Por onde andou
Agora que você voltou
Já esqueci
Quando foi e por quê
A música era a
mesma. O cantor o mesmo. A entrega também.
- Már Joaozin, a danada da música é do mermo níve do meu sentir
por essa maravia...
Ela ouvia, ria e
continuava esperar o nada sair de dentro da casa vizinha. Vez em quando a moto
taxista escorregava um pé e acelerava a moto e a freava também, ela
resmungava...
- Num saia não que eu tô pagano.
Edgleysson não ouvia Sandra, a música
de Chico César já programada para repetição, soltava mais frases...
Esqueci as palavras rudes
Que ensaiei pra dizer
Agora que você voltou
Fique comigo em paz
Meu amor
E por favor não vá nunca mais.
Que ensaiei pra dizer
Agora que você voltou
Fique comigo em paz
Meu amor
E por favor não vá nunca mais.
Era Edgleysson ali submisso. Absorto. Obediente. Estatelado em
cima de uma paixão platônica. Era o pouco que ele achava muito.
Agora, cansada de saber que não sairia ninguém daquela casa
vizinha a de Edgleysson, nem pra reclamar do som alto e depois de ouvir aquele
trecho apelativo, sabia que ainda restava poupança. Sandra toca nas costa do
moto taxista que acelera seu instrumento de trabalho e parte fazendo barulho.
Na porta da casa de Edgleysson, ele suspira e sorri.
Na música um final:
“Please don't go”
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