Arnaud Costa com
microfone em solenidade na década de 70. Ao fundo, o médico Aglair da Silva,
prefeito de Itabaiana. À direita, Manoel Feliciano. Os dois já falecidos.
Meu pai me levou para ver um jogo do Santa Cruz do
Recife contra o Santos do Rei Pelé na inauguração da iluminação do estádio do
Arruda. Isso há alguns séculos. Foi a primeira vez que entrei em um campo de
futebol daquele tamanho. Fiquei deslumbrado, claro. A ideia do velho era me
familiarizar com seu Santinha do coração, me converter à sua religião tricolor,
eu na idade de formação, oito ou dez anos. Inácio França garante
que torcer pelo time do pai é uma forma de manter contato com o velho mesmo
depois de adulto, refazer a conexão depois que o pai vai dessa para melhor ou
reforçar um vínculo imaginário, tipo assim: “gostaria de ter vivido isso com
meu pai”. No meu caso, a estratégia do meu pai não deu certo. Encantado com o
time mágico de Pelé, Pepe e companhia, passei a ser santista. No Recife, eu
sempre fui torcedor do Náutico, primeira paixão futebolística.
O veterano torcedor da “Cobra Coral” sempre lembra de sua missão falha para me transformar
em mais um desses fanáticos adoradores de cobra. Esse time de Pernambuco é
realmente um caso à parte. “O Santa Cruz é essa magia inexplicável. É a diversidade
mais nua e crua, junta num mesmo corpo e numa mesma alma”, afirma poeticamente
um tal Gerrá da Zabumba.
Meu
velho pai está quase cego. Nunca mais viu seu santinha jogar, ouve pelo rádio
as partidas medíocres da terceira divisão onde o Santa se arrastava até o ano
passado. O glaucoma atingiu os dois olhos, ele
quase não sabe quando é dia ou noite. O antigo ativo jornalista e escritor dita
suas matérias, já não datilografa com dois dedos na sua abandonada Remington,
não lê seus livros de Direito, não tem mais nenhuma atividade. Só tomar seus
remédios, conversar esporadicamente com alguém que se disponha a ouvir suas
antigas histórias e escutar no rádio as resenhas esportivas das emissoras
falando principalmente do seu Santa Cruz. Ele tem medo de operar os olhos. “O
risco é raro, vale a pena operar”, digo pra ele.
-- E além do mais, a Copa do mundo vem aí. Como é que o
senhor vai ver a seleção? – argumento.
E ele, pra desconversar:
--- Eu não quero saber de seleção. Se fosse meu Santa Cruz,
ainda valia um sacrifício.
Para centro-avante do time de Luiz Felipe Scolari, pai
defende o nome de um tal de “Caça rato”, rapaz que vivia de lavar carros na Rua
das Moças, perto do campo do tricolor recifense, e por acaso, um certo dia
treinou com a equipe para completar um coletivo. Hoje, é ídolo no Santa Cruz.
Coisas que só acontecem com esse time, chegado a um realismo fantástico.
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