Tenho o prazer de apresentar a rua onde fui criança na casa
de minha vó Joaninha da Pólvora, em Itabaiana. Sua casa era antigo depósito de
explosivos da também vetusta Great West, que depois virou Rede Ferroviária. Meu
avô era cassaco de linha, trabalhador encarregado de conservar a via férrea.
Dos tempos dos pioneiros, quando se abria picadas na mata, picaretando pedras
para abrir túneis onde o trem passaria, ficou a lembrança da casa do meu avô
como depósito das dinamites. Por isso, minha vó era Joaninha da Pólvora. Por
ironia do velho destino, dona Joaninha morreu queimada em sua casinha. O
candeeiro caiu na cama, o fogo tomou conta. Já não existia pólvora na casa, mas
a velhice impediu vó de se salvar.
Essa é a Rua Santa Cecília, casinhas humildes, o pontilhão
do trem passando por cima de um riacho imundo. Na outra margem era a feira de
bode, porco e galinha nas terças-feiras. Minha vó armava uma barraca para
servir refeições aos matutos. Eu pequeno, por volta de oito anos, acordava às
quatro horas da madrugada para ajudar a levar os teréns. Depois, dormia dentro
de um balaio debaixo da mesa, ouvindo o grunhir dos porcos, a algazarra das
galinhas sendo apalpadas nos garajaus e o matutar dos roceiros feirantes.
Nesta ruazinha, no final, começava o cabaré. Na esquina, um
bar, o “Recreio das Mariposas”, com sua difusora tocando Waldick Soriano e
Teixeirinha para o agrado dos capiaus e suas “mariposas”. Lembro a figura gorda
e preta de Maria da Garrafa subindo a rua com seu gingado e o pintinho no
ombro. Era a rapariga iniciadora da vida sexual dos meninos da época. Acho que
ela morava nessa rua, era amiga de minha vó.
Lembro das brincadeiras de escolinha com os coleguinhas da
vizinhança. O primeiro beijo na menininha, a primeira surra por ter sido
surpreendido fazendo “safadeza” no oitão com uma vizinha mais velha que eu. Era
um impudente precoce.
Rua Santa Cecília, quantas recordações me traz. O quintal
era a base do morro que chamam Alto do Major. Em cima, a santa e a casa grande
do antigo manda-chuva do lugar. Eu menino, subia nesse morro para roubar milho
nos roçados e entreter-me com a molecada. Nossa líder da gang mirim era minha prima Geruza, que já foi pro andar de cima.
Nossa vida é um constante reinventar da
pólvora. Hoje, mais de cinquenta anos depois, tia Cícera, Geruza, vó Joaninha,
meu primo Alcion e tantas outras personagens dos meus dramas e comédias da
juventude não existem mais. A lama fétida do velho riacho ainda corre tranquila
pelas ruas abandonadas de Itabaiana, e minhas emoções reacendem em invisíveis
traços, perdidas entre desejos de reencontros, debruçados nas amuradas do tempo
que teima em não passar de todo. A vida e o encantamento vez por outra deixam a
gente extrair um pouco desse impossível perfume da nostalgia.
Olá Fábio, Este tal José Cavalcanti que vc cita em outro post era meu tio, irmão da minha mãe Adalzira Cavalcanti, filha de Dna. Ermelinda.
ResponderExcluirQue prazer ler tudo isso.
Parabéns
Rute Cavalcanti