A cidade
amanheceu em estado vigente de apatia. E chuvosa. Num passado recente, eu
estaria pedalando na praça, distribuindo livros nos bancos e jardins. São seis
horas da manhã de um abril fragmentado, dividido e demente. Nesse sentido, o
bom senso fugiu do Palácio e nunca mais foi visto. Resta à minha cidade
continuar no seu sono profundo, o corriqueiro estado de inconsciência,
desequilíbrio que nos levou a esse adormecimento.
O córtex
do povaréu, em coma, indica o que ele acha que pensa. Sistema de cognição não
ativado, engole diariamente doses altíssimas de drogas ansiolíticas nas telas
da TV, no rádio e no celular. Os transtornos cerebrais não tardam. Sistema nervoso
embaçado, não percebe a realidade em volta. Não compreende e não responde ao
mundo, esse novo e trágico mundo à sua volta. Sua massa cinzenta se confunde,
não interpreta as informações e a cidade entra em coma. Forças ocultas
monitoram e coordenam as ações. Não se trata de um fenômeno novo, naturalmente,
mas a capacidade de pensar e agir por si próprio foi cedida, agora, a
interesses e ideias muito mais perigosas. A perturbação mental da cidade nem
permite sonhar. O único sonho possível é uma forma urgente de sobreviver e não
pegar aquela gripezinha. Em nome do Pai, do Filho e do Consumo, tríduo suprassumo,
o convite é para voltar às ruas em supérfluas ondas flutuantes de toxinas, em
delirantes franquias.
Em coma,
a cidade dá sinais de degenerescência. Desprezíveis atores de uma ópera
burlesca e fascista rezando ajoelhados em frente a um quartel, cobertos com a
bandeira nacional. Gabriel Garcia Marquez e seu realismo fantástico não
pensaria em cena tão estranha fazendo parte da “normalidade”. Não mais existe
tranquilidade e sanidade na cidade em coma.
Para
registrar, faço essas observações dentro da minha reclusão voluntária de mais
de vinte dias. Não sei se é verdade o que diz o rádio e as outras mídias. A impressão
é que vivemos um pesadelo. A qualquer hora acordaremos e a bolha de sabão do
pânico se desmancha.
A segunda
etapa do processo de coma está em andamento. É o coma induzido provocado por
uma espécie de crime organizado. Eles estão forçando evidências e fraudes. Eles
corrompem o sistema nervoso da sociedade que permanece em coma. Eles faturam
até de quem é saudável. Ontem, tomei um comprimido de vitamina C industrializado,
tendo na geladeira um saco de limão.
Quando o
coma se torna psicologicamente insuportável para a sociedade, dá-se o estouro
da bolha. O que não significa que sairemos do estado comatoso profundo.
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