domingo, 12 de abril de 2020

Leituras no confinamento

Minha biblioteca 


A mágica do livro provoca em mim o mesmo encantamento de quando li a primeira obra, aos dez anos de idade. Meu pai me deu um livro de contos, não lembro o autor. Tenho em minha casa um ambiente próprio para essa magia. Um acervo de cerca de mil livros, a maioria para circular no nosso projeto “Biblioteca viva” da Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Quase toda semana o processo de rotatividade faz chegar livros e libera outros para livre acesso em lugares públicos. Separo meus livros de referência e o restante vai para o troca-troca do projeto.
No confinamento, surpreendentemente não estou lendo muito. Tenho essa deformação de leitor. Delimitado em um espaço, diminui o apetite da leitura. Quando trabalhei na estrada de ferro, ficava retido por uma semana em um sítio isolado. Levava livros, mas lia pouco.  Preso, a sensação é de que você fica dando giros em volta de algo obscuro e a cabeça fica embaralhada. Começa uma ocupação, suspende, inicia outra, dá um tempo, deita na rede, levanta da rede, desarma a rede, abre o notebook, fecha o notebook, volta a armar a rede, vai na baderna do escritório, tenta arrumar, deixa papeis espalhados, abre um livro, enfado e desinteresse, joga na pilha das leituras vindouras. Liga o rádio, ouve Mutantes, Nação Zumbi, Legião Urbana, Ary Lobo. Desliga, se liga no verso de Fagner que pede “qualquer música que me tire da alma essa incerteza que quer qualquer impossível calma”.
Não tenho concentração para ler no confinamento, fato implausível. Escrever, no entanto, é uma ação que se ativa. Há tempos abandonada, essa Toca do Leão vem sendo atualizada diariamente desde minha prisão domiciliar voluntária. Outro passatempo prazenteiro é gravar conteúdos de áudio com amigos pela internet. Entretanto, devoro também textos escritos. Livros são responsáveis por noventa por cento de tudo que sou e acredito. Revisitei nos últimos dias a grande poeta portuguesa Florbela Espanca e comecei a ler “Bestiário, contos do Júlio Cortázar. Se pudesse ir na livraria, tentaria comprar “Feriado de mim mesmo”, do jovem escritor paulistano Santiago Nazarian.
Todo sujeito retraído adora ser invisível. Eu queria ser personagem de um romance maluco escrito por um cara que idealizava ser personagem de um conto tresloucado. Nem tanto ao mar... Confinamento sem data para acabar é exasperante por mais da conta. Você acaba ficando isolado demais. Sou uma minoria quase fora de estatística. Gosto de sair de manhãzinha com minha bicicleta, rodear os parques e praças e deixar livros nos bancos, compartilhar com possíveis leitores os livros que li e gostei. Quem mais faz isso aqui em João Pessoa, Paraíba do Norte?  
E os livros ruins que nos chegam das trocas na “Biblioteca viva”? Tenho uma estante especial para essas bobagens. Alguns são “clássicos”. O famoso Caixa D'água, por exemplo. O “canoro poeta”, como se intitulava, teve seu livro “O verde canavial de minha terra” prefaciado por Luiz Augusto Crispim. “Não há nada de mais precioso e puro na literatura paraibana contemporânea”, escreveu Crispim. “Sou o poeta Manoel José de Lima, o famoso Caixa D’Água. Na Paraíba, só quem anda de branco somos eu, José Américo de Almeida e Renato Ribeiro, mas Renato é só industrial e eu e José Américo somos grandes intelectuais”. Os livros de “Caixa D’água” não dou, não vendo nem troco. Ele rabiscou dezoito livros. Faltam seis na minha coleção.

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